O Texto, o Mundo e a Testa.

Pensei em escrever alguma coisa, mas não me vem nada à cabeça agora que se refira a um texto qualquer, que seja um poema, uma crônica ou mesmo um conto casual ou surreal.

Penso no cotidiano, nos velhos em suas casas, nos mortos de fome ou de frio, assassinados cruelmente numa dessas noites onde Deus saiu por quinze minutos para comprar cigarros, nos loucos batendo cabeças nos manicômios de Minas Gerais ou São Paulo, na filha que não vejo há semanas, os escondidos da polícia, os fora da lei, os vagabundos, delinquentes, delirantes e os desvalidos.

Queria escrever um texto que prestasse para alguma coisa, que saísse do papel e ajudasse uma senhora a atravessar a rua ou mesmo levasse uma cesta básica num passe de mágica a uma família necessitada, a algumas, a milhares de famílias necessitadas!

Posso fazer isso depois, já que pensei agora e escrevi, mas na verdade escrever não é o suficiente para salvar o Mundo da estupidez que o assombra, escrever pode ser apenas um simples paliativo ou mesmo um lenitivo para as dores brutais da existência, mas não possui o condão direto de apertar o botão e dizer “war over, a paz de agora em diante reinará no mundo e no coração dos homens!” Não! O texto fica ali pregado ao papel, que agora é tela virtual, em silêncio, amargurado e esperando algum leitor desavisado o ler e tentar também, além do escritor, mudar alguma coisa nisso tudo.

Queria escrever um daqueles discursos iminentes onde Pelé, em seu milésimo gol, lança um choro comovente aos quatro cantos do mundo e a centenas de repórteres, microfones, fios e câmeras, em prol das “criancinhas” que passam fome. Ele diz que precisamos salvar as criancinhas do mundo! As que passam fome. Isso se deu em 1969, numa época negra onde a guerra era fria e o capital quente, onde os EUA torrara bilhões nas caldas de seus foguetes tentando a vaidade contra a URSS, e até hoje nada! A hipocrisia ainda impera entre os líderes.

Os homens se babam diante os espelhos e brilhos de telas display como o “novo Narciso” a se afogar em sua própria beleza, a que ele achava, é lógico. Eu, particularmente, nunca achei Narciso belo ou nem perto disso. Era sim um ridículo, um desses ridículos mais ridículo do que eu que está aqui e agora esperando a internet voltar a funcionar e tentando escrever um texto para salvar o Mundo e os homens, principalmente a mim mesmo, desta incansável ignorância humana.

Mas não consegui! Mais uma tentativa infausta ou mesmo utópica de criar um texto composto por mantimentos e medicamentos aos que precisam, de sonhos aos desiludidos, de o mínimo de condição vital a quem realmente necessita, de saúde aos adoecidos e de paz aos corações endurecidos e embrutecidos pelo “sistema”.

Talvez um dia escreva um texto contendo buquês de rosas, bromélias ou orquídeas. Talvez o escreva em formato de caixa recheada com bombons parisienses ou mesmo sonho de valsa, um daqueles textos motivacionais que fazem com que o cidadão se reerga da cama ou do coma e saia por aí a propagar o amor e a compaixão aos que aqui estão. Somos todos irmãos, afinal, e nossos sangues são provenientes da mesma Mãe-Terra. O mal existe a todo o momento e a cada lapso de segundo uma tragédia assola um miserável, um País, uma comunidade.

Mas não podemos desistir!

Vou escrever um texto e sair por aí o panfletando na Rua Augusta ou na boca do Masp, na Paulista ou, quem sabe, na Quinta da Boa Vista, ou mesmo lançá-lo ao mar dentro de uma garrafa ou de um aeroplano recém-saído do pico do Everest e rumando para as mais remotas regiões mentais do inconsciente coletivo humano. Quem sabe assim eu encontre um motivo para me manter vivo me equilibrando sobre este torrão de Terra, que vaga por algum motivo no Sistema Solar.

Ou talvez desista de tudo isso e vá para o fundo do quintal cultivar meu jardim. Sei lá, estou sem ideia.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 09/05/2019
Reeditado em 09/05/2019
Código do texto: T6642786
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