Segregação

Foi na rodoviária de Belo Horizonte. Um encontro insólito. Assisti enquanto aguardava meu ônibus.

A jovem, ansiosa, recebeu-o com um sorriso formal; ele, meio sem jeito. Não eram namorados. Na verdade nem se conheciam. Entendi depois. Um abismo os separava: de classe e de etnia.

Com pouco tempo de conversa, eu compus toda a trama: ela havia perdido o celular e ele o encontrou. Marcaram a entrega na rodoviária. Mas foi nítido o constrangimento daquela mocinha. O cumprimento de longe e certa frieza nos gestos deram a ele o seu devido lugar: nunca seriam amigos, não trocariam contatos, nunca mais se veriam.

A distância social entre eles era comparável àquela que vai de Venda Nova à Savassi. O tratamento cordial se devia apenas ao fato de ele ter algo que era dela. Uma baronesa de finais do XIX trataria um alforriado do mesmo jeito.

Feita a devolução, nada mais tinham a tratar. Então, veio a pergunta terrível: “Quanto você quer?”. Calou fundo naquele jovem. Era visível que ele tivera outras motivações, mais nobres que o mero interesse em recompensa.

Mas ela não entenderia. Daí o estranhamento por ele nada cobrar. Despediu-se secamente, deixando-o na plataforma, observado apenas por mim. Ele se virou e partiu. Recolheu-se ao lugar que lhe foi reservado pela geografia da cidade e pela história brasileira.

José Carlos Freire
Enviado por José Carlos Freire em 11/05/2019
Reeditado em 05/02/2021
Código do texto: T6644747
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