Mais uma história

Ele estava internado no hospital, meu irmão Francisco, um de meus irmãos mais velho, já falecido. Eu estava ali lhe fazendo companhia, ia passar a noite com ele, ele enfermo, já estava no fim, creio que ele sabia que dentro de pouco tempo partiria para a viajem sem volta. Um câncer no estômago já avançado. Ele já algum tempo não se alimentava bem e não queria saber de falar de médico, eu sempre dizia:

Chico, deves ir ao médico, depois daquela sua última cirurgia no estômago que fizestes há um bom tempo, o seu cirurgião informou que conseguiu fazer um trabalho experimental nesse seu órgão, depois você ainda não largou da água ardente, não sei não! Ele rebatia:

--- O Médico me recomendou não tomar cerveja nem refrigerante, a pinga eu poderia tomar, não abusar muito, mas controlado poderia. Eu conclui:

--- E o vício do cigarro?

---Ah! Entre largar de fumar e morrer, eu prefiro morrer.

Eu não debatia com ele, sempre foi de opinião própria e apesar de tudo possuía uma inteligência invejável. Eu o admirava muito, ele tinha apenas 4 anos a mais do que eu, sendo assim no começo da nossa infância eu o conhecia muito bem. O porque de relatar sua inteligência invejável era porque tudo que se propunha em fazer, aprender, dava certo, entre as suas especialidades era a música, bem jovem ainda ele aprendeu sozinho a tocar gaita, depois manejava maravilhosamente bem. Aprendeu também sozinho tocar violão, tão bem que era um ótimo professor, muitos de alguns violinistas disseram que aprenderam com ele.

Apesar de aparentemente sereno, ele sempre aprontava das suas, foi o que mais apanhou de minha mãe lá em casa. Certa vez estávamos vindo da escola, ele com uns 15 anos e eu logicamente com 11anos, no caminho ele parou para brigar com um de seus colegas, pediu pra segurar seus cadernos e me disse:

--- Se for pra casa, não diga nada para a mamãe que eu estava brigando.

Eu fui direto para a casa. Minha mãe logo perguntou:

--- Aonde está o Francisco? Eu fui taxativo:

--- Está brigando no meio do caminho, mãe.

Nesse dia não lembro dele ter levado uma surra da minha mãe.

Voltando o assunto do hospital, meu irmão Francisco, naquele instante internado, nessas alturas já separado da primeira esposa, com 5 filhos e estava com a segunda esposa com 2 filhos. Ele praticamente pele e osso e ainda não tinha parado de fumar, mas continuava consciente e sereno, nós conversamos muito sobre várias coisas, até sobre a morte.

Aproveitei e lhe propus uma coisa que minha mãe a famosa catequista por mais de 60 anos almejava, que ele fizesse a sua confissão com um padre, já que há tempos tinha afastado da igreja católica.

Fiz a proposta de levar um padre para fazer pelo menos o desejo de nossa mãe, ele me relata o seguinte:

--- Há! Meu irmão, padre não, tenho a minha fé, até confesso mas com Deus. Numa ocasião entrei na igreja e fui confessar num confessionário, a igreja estava bem cheia, ao começar a contar os meus pecados, o padre começou a me chamar a atenção energicamente, envergonhado saí dali e não voltei mais na igreja. Eu ainda parlamentei:

--- Francisco, mas por causa de um padre? Ele também é humano! Ele ainda me respondeu convicto:

--- Eu sei, meu irmão, mas tenho minha consciência tranquila e respeito a preocupação de nossa mãe.

Passado pouquíssimos dias depois meu irmão falece, tinha a poucos minutos fumado seu último cigarro.

Não devemos mentir, mas tivemos que mentir por uma boa causa, minha mãe nos perguntou se ele tinha confessado antes de morrer e nós dizemos sim, mãe, ele confessou...