Uma senhora de baixa estatura, olhos claros e vivos, cabelos crespos e grisalhos bem penteados em duas perfeitas tranças unidas pelas pontas. Sorriso fácil, atenta, ativa e receptiva. As mãos rústicas quando em labuta, tornavam-se delicadas ao acariciar os netos. Seu peso equilibrado lhe possibilitava passadas firmes e seguras nas caminhadas. Escolhia roupas leves e confortáveis que lhe permitia desenvolver suas atividades diárias com mais desenvoltura. Trajava saias ou vestidos longos, quase sempre estampados. Quando calçava com saltos, nas ocasiões especiais, sempre optava pelos baixos. No cotidiano preferia os chinelos, as sandálias (que demonstravam o quanto sua pessoa era humilde) ou se, quando, o par de “congas”, mantendo os calcanhares nus. Que linda!

Pela manhã, em dias que o sol batia radiante sobre o orvalho, ela se sentava na soleira da porta da sala, colocava o vestido sobre as pernas esticadas, onde acomodava uma peneira tecida de bambu com a metade de seu volume completa de feijão. O grão era criteriosamente selecionado e em seguida cozido e temperado para assegurar o cardápio do almoço. No início da tarde, enquanto cantarolava “olê mulher renderia, olê mulher rendar, tu me ensinas fazer renda que eu te ensino a namorar”, já se via nesse mesmo colo, um pequeno cesto com roupas e pedaços de tecidos para consertos delas, algumas agulhas e uma tesoura grande - um pouco pesada para os dedos e em estado de oxidação. O recipiente ainda continha alguns tipos e cores de linhas em carretéis feitos de madeira. Os garotos torciam para findar o novelo e terem a oportunidade de reutilizar o carretel na confecção de um brinquedo similar ao pião, chamado por eles de “piorra”. A tarefa dos remendos era feita com precisão e perfeição por aquelas mãos firmes no manuseio da agulha. Era a cena do dia, aquela linda senhora cantando uma canção suave, sentada na pedra da entrada da casa. Ali próximo, um canteiro coberto de plantas. Em destaque as rosas e o algodão. O modesto jardim ficava em um canto do terreiro, bem antes do portãozinho da divisa da propriedade. Era próximo a ele que o menino brincava com seu carrinho de boi em madeira, puxado por boizinhos de sabugos de milho. Ele gostava de ouvi-la cantar e repetia o refrão da canção, tentando acompanhá-la. Com olhar desconfiado, ela imaginava que ele a imitava com tom de deboche. Na verdade, não era isso que acontecia e quando ela percebia, tudo permanecia bem. Então, ele se aproximava como quem não queria nada, afastava todos aqueles apetrechos de costura para o lado e conquistava o colo dela. Daí, ela massageava a cabeça dele, enquanto cantava canção de ninar. Enfim, um instante que se tornara inesquecível para aquela criança, a prazerosa sensação de um cafuné de vó.

Após as refeições do meio do dia, surgia a necessidade de lavar as vasilhas, as panelas ou como dizem habitualmente, as louças. Essa tarefa não era realizada numa bancada de pia espaçosa na cozinha da casa, mas sim, numa lavanderia natural no fundo do quintal, onde a água jorrava em abundância. Depois de ajeitar todas panelas, pratos e canecas em um tacho de metal, a senhorinha partia para bica, cantando “fui no Tororó beber água não achei. Achei linda morena que no Tororó deixei...”Já em dias alternados, as roupas levadas em trouxas, dividiam o espaço da fonte com as louças.

"Tiitititic e pruú”! Lá estava ela tentando reunir as galinhas para a contagem do final da tarde. “Cadê a carijó? De todas é a mió”. A galinha de sua estima, gostava muito de ciscar por perto. Provavelmente estaria catando minhocas e outros bichinhos entre as bananeiras. Depois do insistente chamamento, a rainha do terreiro surgia toda poderosa por detrás da casa. Pela aparência das suas penas, sempre brilhantes, reluzentes, percebia-se o quão saudável era aquela ave. “Vem, Maricota, que escoí uma espiga de mio bem grande procê. Ela tá tão bunita, vermêia, que tá dibuiano sem fazer força. Agora, cê imagina se vou te dá mio com caruncho ou daquele que o rato roeu? Nem pensar”.

No quintal ou na horta, como normalmente era chamado, nossa querida matriarca cuidava de algumas plantações específicas. Além da bananeira, do abacateiro, da mangueira, da moita de cana caiana e de algumas ervas medicinais, ainda haviam uns pezinhos de quiabo, jiló, abóbora, mandioca, batata doce, vagem, ervilha e chuchu. A colheita dessas hortaliças era realizada em dois momentos propícios, pela manhã e à tardinha. Em posse de sua pequena bacia de alumínio, ela colhia uma a uma, de maneira bem seletiva. Aquelas que se destacavam pelas ramas verdes, tornavam-se atrativos para as vacas que pastavam em pastagens não tão boas além da divisa. Porém, nas proximidades do córrego, os animais poderiam encontrar pastos verdes. Um local, onde entre outras plantas, se desenvolvia o alecrim do campo, que era usado como vassoura na limpeza do terreiro. Enquanto quebrava os galhos da planta preparando-os para serem utilizados na faxina da tarde, a vovozinha se rendia, inevitavelmente, a canção “alecrim, alecrim dourado, que nasceu no campo sem ser semeado...” Quando o gado não resistia e ultrapassava a cerca de arame farpado, imediatamente as providências eram tomadas. “Pega titiozinho preto, espanta essas desatinadas pra fora da horta. Onde já se viu? Arrebenta a cerca pra cumê as ramas da abóbora e da mandioca! Vão pastar na paiada!” O pequeno cão preto latia, avançava em direção aos bovinos e se esquivava dos seus chifres e coices, tentando executar a missão dada.

A mulher, a guerreira, cumpria dia após dia dedicadamente com a realização do que ela chamava de “obrigação”, que eram os afazeres domésticos. Tudo se passava em um ambiente típico do interior, um lugar aconchegante e tranquilo, onde era possível para aquela saudável idosa, desenvolver seus dotes de avó e ainda, de forma alegre e descontraída, dar conta de uma lida apropriada para sua idade.

Sílvio Assunção
Enviado por Sílvio Assunção em 19/05/2019
Reeditado em 22/06/2019
Código do texto: T6651474
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