Vestido Transparente

Em períodos de absoluta inércia intelectual, escrevi duas crônicas intituladas Nada e Caminho das Pedras. Ambas refletiram a severa apatia literária que me acometia naqueles instantes de frágil inspiração. A vontade de escrever contrapôs-se à escassez de ideias, um drama comum a pretensos escrevinhadores.

Hoje, igualmente apático, resta-me contar um causo até certo ponto hilário, digno do rol das crônicas diárias protagonizadas pela irreverência do brasileiro.

José e Alice conheceram-se jovens. Estudaram juntos, frequentaram a mesma igreja de onde receberam os mais rígidos conselhos para se manter castos até o casamento, abstendo-se de vida sexual ilegítima e promíscua.

Os pais do casal abençoaram o enlace amoroso, ocorrido quando os nubentes completaram dezoito anos. Eles nasceram em época provida de moralidade e bons costumes, diferente de hoje, quando a televisão e considerável estrato da sociedade aderiram à promiscuidade explicita.

Atualmente, os jovens são espectadores involuntários de eventos pecaminosos, patrocinados pelos meios de comunicação. À mesa do jantar, pais e filhos veem e ouvem a pouca vergonha transmitida pela televisão. Por outro lado, os atos libidinosos praticados em praça pública, à luz do dia, extrapolam os conceitos da moralidade. A juventude contaminou-se com a vulgaridade e a ruptura da moral nas escolas e universidades, onde a disciplina deveria ser exaltada, contrapondo-se ao vitupério do que se vê por aí.

Volto ao que me proponho: contar o causo entre José e Alice. Casados, foram morar próximo à casa de dona Ermínia. Certa feita, ela foi à residência da nora para orientá-la nos bons modos caseiros: cozinhar, lavar e passar roupas, varrer a casa, espanar os móveis, cuidar do jardim, do cachorro e do gato... uma porção de coisas, enfim. Em lá chegando, ao bater à porta foi recebida por Alice. A jovem estava completamente nua. Questionada por se encontrar daquela maneira, respondeu estar esperando o marido chegar do trabalho e aquele era o seu “vestido do amor”, pois José gostava de ser recebido por ela daquele jeito.

Ao retornar à casa, dona Ermínia tomou um banho de ervas aromáticas, penteou os cabelos, encharcou-se com perfume e ficou a aguardar o marido chegar do trabalho. Ela aderiu aos trajes da nora, uma novidade entre os jovens. O tal “vestido do amor” também satisfaria o esposo dela, com toda a certeza.

A exibida senhora denotava ares de uma ninfeta de bons predicados físicos. A espera do marido deixava-a excitada. Quanta demora! Ele já deveria ter chegado! – dizia para si, ansiosamente.

O senhor Antônio chegou. Era um homem sóbrio, de meia-idade, com os dias descambando para o final da mocidade esquecida. Olhou para a mulher, atônito:

– O que é isso? Você está nua!

Sorridente e exibindo trejeitos sensuais, com exagerados gestos voluptuosos, dona Ermínia respondeu:

– Este é meu vestido do amor!

Seu Antônio, visivelmente aborrecido, disse-lhe:

– Por que você não passou o vestido a ferro, para tirar as rugas?

Nada mais precisava ser dito.