Direito de Resposta

(O telefone toca. Se estica para alcançá-lo. Hesita ao atender após perceber quem está ligando. Nos últimos toques atende).

_ A-a-alô...?

_ Oi. Tudo bem?

_ Tu-tudo.. e... co-com você?

_ Tudo ótimo.

_Hm...

_ Não poderia estar melhor.

_ Que... que bom.

_ Como está a vida?

_ Indo...

_ Indo bem? Indo mal?

_ Só... só indo.

_ Pensei em ir te ver esses dias, mas não pude.

_ Tudo bem...

_ ...

_ Pe-pensei ter te visto esses... esses dias. O-ontem. Pouco antes do... do ocorrido.

_ Não devia ser eu. Não tenho saído.

_ Ah sim...

_ E você? Saindo? Aproveitando a vida?

_ Não muito. E... e agora será me-menos ainda. (pausa) E você?

_ Até que tenho saído bastante!

_ (suspira) Que... que coisa não?

_ Ainda está com aquela pessoa?

_ (pausa) Co-como assim?

_ É, ainda está com ela?

_ (em dúvida) Por que você quer... (corta) Não. Não estou não.

_ Que pena. Ela poderia estar aí com você nesse momento tão difícil.

_ E você?

_ (fingindo uma falsa segurança) Estamos ótimos. Mais felizes do que nunca!

_ Que... que bom.

_ Você tem que aprender a seguir em frente.

_ E-eu sei.

_ Te liguei por causa da notícia do jornal. Fiquei preocupado.

_ (desconfiado) Eu imaginei.

_ Foi uma tragédia!

_ Si-sim. Dois mo-mortos.

_ Como pode?! Tanta irresponsabilidade.

_ Po-pois é.

_ Estavam bêbados?

_ Não sei...

_ Como assim?

_ O jornal nem sempre... nem sempre mostra a realidade!

_ É... Isso é... (corta) Você vai ficar no hospital até quando?

_ Ainda... ainda não sei dizer.

_ Precisa de algo?

_ Não-não. Obrigado. (pausa) Que... que bom que... que ligou. Até logo.

_ Calma. Só queria te dizer que lamento muito pelo que aconteceu.

_ (mentindo) Eu... eu sei.

_ Mas também tenho meu direito de defesa.

_ (malicioso) Co-como assim?

_ Meu direito de resposta. Só queria deixar claro que não tive nada a ver com o que aconteceu.

_ (sarcástico) Cla... claro que não.

_ (continua seu discurso) Não é o que dizem por aí. Podem ter certeza. A realidade é bem diferente.

_ (controlando seu veneno) Bem... bem diferente...

_ (aliviado consigo mesmo) Que bom que compreende. Fico feliz. (pausa) E o carro?

_ Perda total...

_ Se quiser, posso te emprestar um dos meus...

_ (interrompendo) Não! (recua) Não... não precisa.

_ Sabe que pode contar comigo com o que precisar.

_ Sei...

_ E o trabalho?

_ Tudo... (suspira)... tudo indo.

_ Acha que consegue voltar a ativa logo depois de ter alta?

_ Não sei dizer...

_ Que bom! Acho que serei promovido.

_ (suspira novamente) Parabéns...

_ É bom ser reconhecido. Estar onde se quer estar. Estar bem consigo mesmo. Caminhar com as próprias pernas. Com amigos, dinheiro, esposa, saúde...

_ (interrompe impaciente) E aquele seu problema?!

_ Que problema? (como se não soubesse do que se trata)

_ (desconfiado e menos afoito) Vo-voltou ao médico?

_ Está tudo bem!

_ (incrédulo) Tem... tem certeza?

_ Absoluta! Nunca estive melhor!

_ (irônico) Que... Que bom... Só... só cuidado. Ge-geralmente quem diz não pre-precisar de ajuda é que-quem mais pre...

_ (interrompe, fugindo) Bom acho que vou indo. Muitas coisas para resolver aqui. O dever chama. Mas fique bem, meu amigo. Tentarei essa semana passar no hospital para... (silencia)

_ (senta-se na cama e ouve o barulho dos batimentos no aparelho se acelerarem) Escuta aqui, seu idiota! Você ligou para saber se estou bem ou... alô... alô? Ei?! Está aí?! Alô?

(Sem resposta. Pouco mais tarde recebe a notícia de que o amigo que ligou falecera e fica feliz por não poder ir ao velório. O enterro já tinha sido feito tempos atrás, por ele mesmo, dentro de si).

Luan Tófano
Enviado por Luan Tófano em 27/05/2019
Reeditado em 10/06/2019
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