CULTURA DO INSULTO
 
            O Papa Francisco está novamente sendo alvo de acusações de heresia, levantadas por católicos ultratradicionalistas que divulgaram uma carta em que o acusam pela prática de desvios da doutrina. É mais uma fase da guerra travada na Igreja entre conservadores e reformistas, cujo objetivo é forçar a saída do pontífice do cargo. Portanto, mais que teológico, o documento é eminentemente político.
            O documento, porém, não conduz assinaturas de cardeais nem de bispos, mas de sacerdotes, teólogos e acadêmicos, não estando sob a apreciação da Congregação da Doutrina da Fé. As acusações podem ser alinhadas como uma suavização de posição pelo Papa em relação a questões que, na ótica desses acusadores, vão contra os mandamentos da Igreja, no tocante a temas da família, da sexualidade e do diálogo inter-religioso.
            Isto é um movimento que representa a insatisfação do clero conservador à abertura trazida pelo Concílio Vaticano II e, mais presentemente, à reação de mudança estrutural que o Papa Francisco vem introduzindo na Igreja. Embora o Papa seja a cabeça visível da Igreja, que ocupa o trono petrino iluminado pelo Espírito Santo, outras cabeças querem conduzi-la dentro de uma visão integrista consubstanciada nas disposições do Concílio de Trento.
            Heresia é vocábulo da era medieval, termo pelo qual a Igreja fomentou a Inquisição e que causou inúmeras condenações, todas elas injustas vistas aos olhos de hoje. A Igreja condenou a modernidade, em flagrante confronto com as novas ideias sociais que trouxeram o progresso tecnológico e científico, derrubando o imobilismo clerical. E ainda em pleno Século XXI, ainda se acham mentes inquisitoriais que se apegam a um doentio saudosismo, sem aceitarem que a Igreja desde o Papa João XXIII caminha numa estrada de mão única, a estrada do amor.
            Não é a Exortação Apostólica “Amoris Laetitia” ou “Alegria do Amor”, nem o “Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum” firmado pelo Papa e pelo Grande Imã da Mesquita Al-Azhar do Cairo, que dão origem a crise na Igreja Católica. São os integristas declarados e ocultos que denominam de antipapas heréticos e apóstatas a João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco; que cognominam de Seita Vaticano II o Concílio Vaticano II; que chamam de falsa religião católica a sedimentada no Concílio Vaticano II.
            Para esses integristas todos os papas a partir de João XXIII são heréticos, inclusive os que foram canonizados, ou seja, João XXIII, Paulo VI e João Paulo II. Esses santos papas são paradigmas aos olhos dos fiéis, são modelos de vida de fé. Diante deste fato, pode se dar credibilidade a esses integristas? O mal está nesse integrismo, – palavra no seio católico que significa fundamentalismo – que como qualquer outro é sempre exacerbado em suas posições.
            Se a Igreja não desejasse que a misericórdia de Deus inundasse o coração do seu povo, se ela não quisesse fomentar a paz entre os povos e as religiões, ela deixaria em total abandono as famílias das quais fala a Exortação Alegria do Amor, ela não incentivaria o ecumenismo e não se abriria ao diálogo inter-religioso. A palavra papal tem, porém, repercutido muito mais alto que o daqueles que fomentam o proselitismo religioso, o grande mal que fomenta a guerra entre as religiões.
            De resto, os ataques soam como insultos, aos quais o Papa responde com o silêncio. Disse um auxiliar do pontífice que este comentou que nos tempos atuais os insultos se tornaram normais e afirmou: “Um político insulta o outro, um vizinho insulta o outro, também nas famílias um insulta o outro. Não sei dizer se há uma cultura do insulto, mas o insulto é uma arma na mão”.
               Na verdade, não há só desrespeito e infidelidade ao papa, há realmente insultos, até porque, o Papa não pode ser julgado, porque julgar o Papa é julgar a própria Santa Sé. Isto deriva do princípio “prima sedes a nemine judicatur” (A Sé primeira não é julgada por ninguém), que encerra o conceito da imunidade do pontífice romano do julgamento episcopal.
               Segundo o documento “Dictatus Papae”, oriundo do Papa São Gregório VII (1073 – 1085), acha-se no número 18 que “a decisão dele (do Papa) não pode ser questionada por ninguém” e no número 19 que “somente ele (o Papa) não pode ser julgado por ninguém”. Tal disposição passou para o direito canônico, estando no Código de Direito Canônico de 1983, no número 1404, que estipula que nenhum Papa pode ser submetido a qualquer tipo de julgamento. Isto é porque ele está além do julgamento.
              Diante disto, já que os acusadores se baseiam em documentos da Igreja Pré-Conciliar, que se lembrem do documento “Dictatus Papae”, que tratando da autoridade papal devem observar. Aliado a este, também o Código de Direito Canônico em vigor, que incorporou esse princípio. Se desprezam tal legislação eclesiástica, as acusações realmente não passam de insultos.   
Ailton Elisiario
Enviado por Ailton Elisiario em 28/05/2019
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