Carta Anônima

Carta Anônima



Chegou-me esta manhã, pelo e-mail, uma dessas curiosidades que circulam por aí, e, depois de lê-la algumas vezes, achei que pudesse ter alguma serventia aos amigos e amigas que vez por outra pousam nesta página. Trata-se de uma carta anônima com data de 30/05/19, de um pai para um filho.




"Querido filho, soube que no sábado passado você quebrou o pé. Fiquei muito surpreso por só ter tomado conhecimento desse fato hoje. Falei com os seguranças, que contratei para vigiá-lo e protegê-lo, e ficaram tão surpresos quanto eu. Nenhuma pista. Talvez tenha ocorrido no seu dormitório. Ora, pensei, não me ligaram porque não sou ortopedista. Óbvio. Depois, num misto de preocupação – com o seu pé, e relaxamento, pela conclusão, fui à cata de informações, já que o telefone da sua residência estava ocupado e você esqueceu, pobrezinho, o celular desligado. Sua avó me disse que quebrou. Sua tia disse que não quebrou. Sua mãe sinalizou com possibilidade de ruptura nos ligamentos, sua irmã narrou em detalhes que terás de ficar 60 dias imobilizado, e que o que você tem no pé não é gesso, mas uma coisa. Quatro versões acuradas sobre o vosso exato pé. Quando liguei de novo, e começando mesmo a me lamentar por não ter estudado medicina, soube que você fora viajar com seus amigos. Muito justo, pensei. Quando eu tinha 19 anos, viajava com os meus amigos até com uma fratura exposta na cabeça. Um ferimento que, agora ruminando, desde aquela época apresentou seqüelas. Estava me lembrando disso quando sua irmã me contou que você estava noivo. Mas que se tratava de um segredo. Desliguei o telefone refletindo sobre a dinâmica dos nossos encontros, e, se num (tendo sido esta a intenção: num, e não no), futuro distante, nos encontrarmos, não serão as fraldas dos seus filhos que você estará trocando. Talvez as dos filhos dos seus filhos, ou dos netos dos seus filhos, não sei, papai está cá ponderando sobre a origem da sorção de todas as sorções. Após muito ponderar, conclui ser o mais acertado lhe enviar uma carta eletrônica, no propósito de perpetuar um segredo terrível que guardamos em nossa família, desde que o mundo é mundo.

Meu pai mo disse, assim como o pai dele lho disse, e assim retrospectivamente, retroativamente, por toda a eternidade, ao contrário. Faz-se, portanto, imperativo, que eu lhe revele esse terrível segredo, inda que eletronicamente. Lá vai: uma coisa esquisitíssima acomete todas as mulheres do mundo, em dado momento. Acontece entre os 8 e os 80 anos. Elas enlouquecem.

Preste atenção, filho, precisamos nos concentrar nesta carta e na ciência nela contida, para o seu futuro. Você está noivo! Mediante tal informação, e como não há tempo, estou arriscando um segredo terrível, guardado a 7 chaves desde antes do dilúvio, que deveria ser revelado pessoalmente, filho querido, pelo seu futuro estou pondo em risco o próprio futuro da raça humana, pois e-mails não são seguros, podem cair em mãos erradas, você está me ouvindo?

Então, lá vai: com exceção da sua mãe, suas tias, suas avós, bisavós, tataravós, tera-avós, giga-avós, alfa-avós e beta-avós enfim, com exceção delas e somente delas, todas as mulheres enlouquecem.

Coisas que você precisa saber, a partir desta verdade das verdades:

1. Não há o que fazer
.
2. 96% dos casos é uma loucura inofensiva

3. Existe uma imagem sagrada, que guardamos em nosso seio familiar desde sempre, que é o arquétipo desta loucura.

Lembra-se do esquilo do filme “A Era do Gelo”? Sempre obcecado por aquela noz, com os olhos arregalados, correndo de um lado para o outro...Esse é o arquétipo. O mundo ainda não está pronto para esta terrível verdade, e eu, seus avôs, bisavôs, tataravôs, tera-avôs, giga-avôs, alfa-avôs e beta-avôs somos os bastiões da imagem sagrada e de seu significado. Quanto às mulheres, você deve contemplá-las com o olhar interior, senão irá vê-las cada hora de um jeito: usando capas, togas, aventais, braceletes, biquínis, etc. Mas com o olhar interior, você verá a essência, ou seja: o esquilo, correndo atrás da noz, com os olhos esbugalhados.

Não há o que fazer e não existe remédio para isso. Tampouco é um fenômeno que acontece gradativamente. Elas simplesmente acordam e...pronto! Já estão loucas. Só elas não percebem isso e quem está perto vai percebendo aos poucos. Talvez, em mais de uma ocasião, você terá a sorte, assim como seu querido pai teve, de vê-las bradando: sou louca mesmo, e daí?!!!

Três coisas podem ser feitas: mentalização.

Nunca vi funcionar para as destinatárias. Mas traz conforto para aquele que mentaliza. Mais ou menos quando percebem que estão nesse estágio, a primeira coisa que vão tentar fazer será te enlouquecer. Durante anos. Somente durante anos, veja bem, pois é necessário comunicar-se numa relação a dois, e comunicar-se com amor, mas como elas já estarão loucas, você vai estranhar a comunicação, e a última coisa que você vai achar é que aquilo seja amor.

Não julgue filho, não julgue. Tenha compreensão. Procure se lembrar do esquilo, da noz, do esquilo correndo atrás da noz. Concentre sua atenção nisso, para obter paz.

Eu, seus avôs, bisavôs, tataravôs, tera-avôs e giga-avôs, após infindáveis conversas, estamos tentando desvendar como os produtores do “A Era do Gelo” descobriram o sagrado símbolo revelador. Talvez sejam nossos parentes.

Preste atenção, filho, olhe para o computador, estou falando com você. Isso, relaxe, pense que és um afortunado aos 19 anos, muitos da nossa família só descobriram depois dos 90, pense que você já tem o desenlace do universo para manter a união. Com o seu eu verdadeiro.

Chegou a hora de você indagar: todas?

Sim – eu lhe digo – todas, exceto sua mãe, suas tias, suas avós, bisavós, tataravôs, etc. E sua irmã. E suas tias avós.

Será quando você novamente irá inquirir: mas então somos, somos…?

- Especiais – eu lhe afirmarei – somos os eleitos sobre a terra. Conhecemos o axioma, e como santidades anônimas ao longo dos séculos, emanamos para as endoidecidas nossa compaixão. E silêncio. Silêncio tem sido a chave de ouro da nossa felicidade.

Mais uma coisa, filho. Para o caso de, depois de amasiar, transladar. Temos um parente na América. Estamos de relações cortadas, pois eles revelaram códigos proibidos. Trata-se do pai do cantor Frank Sinatra.

Certa feita, numa reunião de família, Frank chegou para o pai e perguntou:

- Como você e a mamãe conseguiram ficar casados tanto tempo?

- Eu não falo e eu não ouço – respondeu-lhe o pai.

Agora devo me despedir. E você, filho querido, deve prosseguir com a missão de seus antecessores. Quanto ao vosso pé, há um ditado em nossa família, que seus Alfa e Beta avós inventaram:

- Antes de casar, sara.

Beijos do seu pai que te ama muito.”



Como os leitores e leitoras puderam observar, a carta não está assinada.
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 31/05/2019
Reeditado em 20/02/2020
Código do texto: T6660983
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