VAI MANDIOCA, DOUTOR? (EC)

Uma situação ocasional e repentina fez-me pagar penitências indo a feira-livre.

Senti-me fazendo teste de meu conhecimento intelectual sobre leguminosas, tubérculos, raízes, frutos e frutas, flores, sementes.

Sempre tive razoáveis notas em ciências, que não impediram pequenos vexames.

Listinha de compras no bolso, vejo-me, desajeitado, tropeçando nos carrinhos, desviando-me de inesperadas alterações de sentido no trânsito sem sinalização, de paradas abruptas, quando algum feirante gritava que baixara o preço.

Prevenido quanto a esse caos, não levei carrinho.

Paro na primeira barraca, preparo-me, respiro fundo e arrisco: “Moço, por favor, veja-me dois maços de agrião”, apontando para os vegetais a minha frente.

O feirante dirige-se a outra ponta da barraca e volta com o agrião.

Ninguém percebera, mas eu apontara para rúculas, pensando fossem agriões.

Olho a lista e está escrito: um maço de Catalônia. Confesso não tinha a menor ideia do que fossem catalônias.

Cara de paisagem, peço a dita cuja verdura, sem apontar nada.

Quando o feirante entrega-me o maço, quase digo: “Prazer em conhecê-la dona Catalônia”.

“Por favor, um maço de alface”.

“Crespa ou lisa?”, retruca o feirante.

Cáspite! É feira ou loja de perucas? Pergunto-me...

Alface lisa na sacola, eu mesmo, orgulhoso, escolho a escarola que conheço de tanto rejeitá-la nas pizzas.

Ufa! Saí são e salvo da primeira barraca...

Listinha... listinha... Ah! Tomates... É preciso tomates... Esse saudável fruto do tomateiro, claro, eu também sabia o que era. Sei que possuem licopeno, um carotenoide com propriedades preventivas para males da próstata.

Arrisco: “Moço, veja-me um quilo, por favor”.

O feirante estende-me o saquinho para eu mesmo escolher.

Que diferença tem a Carmem da Débora?

Olho para os lados e vejo senhoras apertando os tomates, parecendo namoro de adolescente apertando os peitos da namorada.

Penso com meus zíperes: “Aprendi a diferença da Carmen e Débora”. Carmem é mais firme e maior, mas Débora é que serve para quase tudo.

Para evitar erros ou ciúmes, levei um quilo de cada.

Próxima barraca... Banana eu achava que conhecia. Mas, logo percebo não ser tão simples assim.

A banana nanica deveria ser a menor mas, não...

A menor é a banana-maçã... A nanica é grandona. Pelo menos, é o que indicava a plaquinha.

Listinha... listinha... Mangas e mamões.

Mudo de tática e sorridente pergunto ao feirante: “Moço, o senhor gosta da sua mãe?

A resposta vem com um raio faiscante no olhar: “Por que, patrão? Algum pobrema?”

Senti um cheiro de sangue no ar...

“Nenhum! Só curiosidade: Gosta ou não gosta?”

“Gosto, mano”.

“Então, por gentileza, escolha três mangas que o senhor serviria no café da manhã do aniversário dela”.

Ele deu uma risadinha, tornando o clima mais relaxado: “Espada ou Palmer?”

Sem saber a diferença, respondi: “A que o senhor escolheria para a mamãe.”

Aproveitei e emendei: “E três mamões...”

“Papaia ou formosa?”

Enquanto o feirante empacota as frutas, converso de novo com meus zíperes: Você e essa “boca grande”. Escapou por pouco de arranjar encrenca...

O Abacaxi eu consegui achar sozinho... Embora o abacaxi não seja uma fruta e sim uma infrutescência monocotiledônea da família das bromeliáceas. Olho para minha barriga e lembro-me que ajuda no emagrecimento...

Só fiquei um pouco na dúvida à pergunta se queria que ele tirasse a coroa...

Pensei que ele estivesse se referindo à senhora que quase levou meu calcanhar com o carrinho e respondi que sim.

Faca zunindo no ar e a coroa do abacaxi rolou pelo chão.

Aprendera mais uma.

Ainda bem que está quase no fim da listinha.

“Moço, pegue para mim três dessas berinjelas”, caindo no erro de apontar...”

Resposta seca: “Berinjelas ou pimentões?

“Retifiquei rápido: Pimentões...”

Eu precisava mesmo de berinjelas, que consegui na tentativa seguinte.

Fã do coelhinho da páscoa, lembrei-me do que era uma cenoura e foi tão fácil quanto o abacaxi.

Felizmente, a beterraba eu também sabia o que era...

“Mais alguma coisa, dotô? Não quer aproveitar e levar mandioca... Nabo...?”

Percebi certa maldade na pergunta do feirante...

Mandiocas? Nabos? Sai pra lá... Tenho cara de quem gosta de tubérculos?

Fingi que não ouvi, conferi o troco e de sacola cheia, tomei o rumo de casa, não sem dar uma paradinha na barraca de pasteis, que não estavam na lista, mas irresistíveis.

Os nobres leitores, provavelmente, devem estar rindo da minha ignorância.

Então, respondam-me sem consultar o Google: “Berinjela, pimentão e cenoura são verduras ou legumes?”

Também não sabem, não é?

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Barraca de Feira

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Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 03/06/2019
Reeditado em 05/06/2019
Código do texto: T6663577
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