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(Imagem do Google. Acesso: 08 de Junho de 2019.
 
É logo ali, "na Grão Mogol com Contorno"
 
Sendo a cultura  parte do cotidiano de uma sociedade, com a literatura não seria diferente. Vejo bibliotecas e livrarias, extensões de nossa infância, adolescência,  onde livros são cultuados por fiéis de quaisquer idades. Quando as visito, chego de mansinho, flerto, acaricio as capas e  algumas já me conquistaram , levo-as zelosamente para minha cabeceira, ciente da companhia que terei em algumas manhãs frias, noites insones , tardes outonais.
 
Posso dizer que Belo Horizonte, menina-moça, com seus cento e vinte e um anos, é uma cidade literária. Desde há várias décadas , passando por aqui Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Fernando Sabino ao inesquecível  Clube da Esquina, entoando suas mais belas canções ao som do mineiríssimo carioca Milton Nascimento, Lô Borges, Wagner Tiso e mais um caminhão de  ilustres mineiros. Literatura invade  seus bares, doces ares, até às feiras atuais de editoras independentes. Tenho visitado algumas, a moçada está toda prosa! 

Em se tratando de literatura, conheci há um tempo o senhor Odilon Tavares, um brasileiro resiliente, que acorda às quatro da matina, recolhe materiais pelos lixos da zona Sul de Belo Horizonte, dentre eles, inúmeros exemplares de livros. Vendia-os  para os sebos, segundo ele, pagavam pouquíssimo, vindo a ideia posteriormente de vendê-los individualmente, assim ganharia um dinheirinho mellhor. Todos os dias , ele se posiciona na Rua Grão Mogol com Avenida do Contorno, na região Centro- Sul de Belo Horizonte. Após a jornada de trabalho, dá alguns passos e já está "em casa", debaixo de uma marquise de um comércio de informática e papelaria. 

"Os livros mudam a gente, mudei muito minha maneira de pensar", palavras de "Sô" Odilon, quem sou eu para contestar?  Fiscais da prefeitura amparados pela Lei Municipal que rege o Código de Posturas, proíbe a venda de mercadorias em lugares públicos. Apreenderam seus livros algumas vezes, disse-me que encheria uma kombi. A clientela gritou a seu favor e advogados da vizinhança decidiram representá-lo. 

Passo em frente à "sua livraria", umas três vezes por semana, faço prazerosamente  algumas doações. Meu ollhar passeia pelos inúmeros exemplares e fico pensando quão digno  é seu trabalho ao nos entregar um livro por um valor tão simbólico!
 Conversa vai, conversa vem:
-Quantos anos o senhor estudou?
-Até a quarta série primária, minha filha. Família muito pobre, muitos irmãos, comecei a trabalhar ainda menino.
- Gosta de ler?
- Leio só até à metade ou menos...
-Por que só a  metade, "Sô Odilon?
- O cliente observa o livro, gosta e quer comprar, pronto, vendido.
- Vou levar aquele.
- Qual?
- Clarissa, de Érico Veríssimo. Aqui está o seu dinheiro.
-Não posso cobrar da senhora.
- Esse livro que estou levando é valiosíssimo!  
-Não importa, o livro é da senhora.
Os livros vendidos por esse mineiro  das letras, empreendedor custam cinco reais, sejam eles quais forem.

- Caro leitor, sabe aquele momento em que nosso pensamento sai de órbita? Pois sim, fiquei pensando nas esculturas de Carlos Drummond de Andrade,  Murilo Rubião, Roberto Drumond situadas na Savassi, bairro da região Centro- Sul de BH , nos "Quatro Cavaleiros do Apocalipse", Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino sitos na Praça da Liberdade e mais próxima do senhor Odilon, a doçura , diria quase materna da escultura de Henriqueta Lisboa, dando boas vindas ao mundo da literatura a esse mineiro, faceiro, arteiro...
Disse-lhe que escreveria uma crônica sobre ele, ao que me respondeu:
-Depois de escrita, traga o nome do site que eu quero ler.
- Trago sim!
Que responsabilidade, "Sô Odilon"!



 

 
 
 

 
Rosa Alves
Enviado por Rosa Alves em 08/06/2019
Reeditado em 09/10/2020
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