A PROSTITUTA CEGA

Dizem, os Arautos, as Bulas e os compêndios, além da pretensa divina voz popular, que: A Justiça é Cega.

A Justiça: aquela dama que tal analogia cegou com um trapo, talvez de linho, quiçá de Chita ou Seda Pura.

A moça férrea que, cega, empunha a Libra e a Espada, sentada altiva no Planalto Central.

Tal dama não consegue vislumbrar com seus olhos, talvez azuis, improvavelmente negros; a fisionomia , cor ou vestimenta de seu "cliente" ; mas suas narinas de traços finos podem aspirar a fragrância de perfumes magistrais, distinguindo-os do odor, sem encanto, do suor criado na labuta.

Ela com seu tapa-olho, que ilude o honesto, com promessas de eqüidade, utiliza também sua voz firme e impostada, diluída numa linguagem, que devido a sua avançada idade, antecede a todo Arcaísmo.

Ela indaga ao varão que ultrapassa a porta de sua alcova: "És tu homem de posse? Pois se és não temas meu poder, não entregues a contenda. Toma meu seio e sorva todas as benesses do meu encanto. Se te faz vontade, arrebata também, sob meu manto, minha virtude, que não padeço de preservá-la."

A cortesã de luxo, como vemos, apesar de cega, mantêm o olfato e discurso apurados. Mas o maior prodígio da dama é a audição, comprovada maravilha. Se ouve o tom bem redigido e estruturado; o timbre de soberba, orgulho e outras vaidades, inerentes aos ocupantes do ápice piramidal , rápida e eficaz, apruma a balança e tece veredictos, lançando seus longos braços ao redor de seu amante. Mas, se, eficaz ouvido, percebe o sotaque da humildade, trava-se os sentidos, cega a boca, cala o ouvido, e os braços empunham o gládio em movimentos frenéticos, como cego em busca de obstáculos, tal qual nobre a repelir a peste. E nessa regência, com batuta de fio cortante, mutila partes, corta membros, não se entregando a cliente tão aviltante. Nega-lhe o colo, recusa-lhe o prazer do serviço.

Mas um, inebriado por sua beleza, escala seu dorso de granito, e estupra-lhe, com um beijo, a boca fria. Não para lhe provocar o gozo ou asco, mas para lhe inflar um pouco de humano.

EM VÃO. Como boa profissional do ramo não se deixa levar por sentimentos ou carícias. Só se seduz por tilintares, e que não seja das patacas comuns, que alimentam os sonhos em caça-níqueis, mas das moedas douradas, valiosas, nos casos em que dólar não houver.

Tal Dama alivia o prazer dos clientes banhados em áureo perfume, sem necessidade de ver suas faces carcomidas de chagas morais. Mas, não se deita jamais, mesmo com mais belo mortal, que exale o insalubre cheiro da pobreza.

E para finalizar, como é sempre bom, em casos de ditos populares e livros avaliados por milênios, concordamos: A JUSTIÇA É CEGA ... mas cheira muito bem, obrigado.

Carlos Henrique Ferreira Costa