E DEUS CRIOU A MULHER

Deus, o grande Administrador Universal, estava lá em seu cantinho no departamento de criação celestial e externava evidentes sinais de stress.

Ao seu lado, o designer Damião observava o mestre com indisfarçável preocupação, afinal, Deus era um líder motivado e adorado por todos do departamento. De sua prancheta brotavam projetos inimagináveis. Borboletas belíssimas, singulares vegetais, orquídeas sublimes e combinações minerais de tirar o fôlego.

Tudo ia bem naquela manhã até a entrada na sala do esbaforido projetista Diego trazendo a incrível ideia de uma árvore com milhares de frutos negros, da base ao topo da folhagem, que batizou de Jabuticabeira, cujo objetivo era sanar a fome do mundo. Olhou para o mestre esperando um... UAAAAAU!

E... nada.

Damião, notando a frustrante reação do mentor, de pronto interferiu.

— Senhor, o que houve? Confesso que sua expressão sombria me surpreendeu. Temo que esteja extrapolando seu limite de horas de trabalho. Um bom descanso, certamente lhe fará bem.

Ao que Deus replica pausadamente.

— Sabe, Damião, — desabafa Deus — Estou desapontado comigo mesmo, criei até aqui, com a ajuda de vocês, tudo e todos. Todavia, sinto-me incapaz de criar um “ser especial” que os complemente e motive, dotado de inteligência, sagacidade, sutileza, delicadeza e até agora... só rabiscos!!! Pouco evoluímos na forma: hominídeos peludos, barbudos, grosseiros, desajeitados e destituídos de beleza.

— Bem, senhor, é inegável que beleza não é nosso forte mas...

— Aproxime-se. Mostrarei a você a caixa preta de meus rabiscos.

O que acha do layout desta criatura?

Damião arregala os olhos e dispara!!!

— CACÊTE!!! Ops! — Perdoe-me, senhor! — Tamanha beleza me desequilibrou.

— Eh, eh! Acalme-se meu jovem! Penso em desenvolver esta criatura para operar no projeto dos “hormônios”, desenvolvido pelo Joaquim no laboratório de genética humana.

O modo plasmático utilizado até hoje na criação de humanos homens está ultrapassado e temos que reprograma-lo.

Título do projeto: MULHER. Teria o perfume das orquídeas, a beleza das borboletas, cauda de sereia, cabelos longos em vário tons, seios proeminentes para amamentação e salientes quadris. É a beleza da qual falei. A associação íntima entre homens e mulheres gerará filhos que inundarão de alegria o planeta Terra e servirá de inspiração a outros orbes.

— Já recomposto e colhendo os cacos da “emoção”, Damião interfere.

— Terei ouvido o senhor dizer “cauda de sereia?” Penso que “pernas” lhe cairiam melhor. Do contrário, seriam escravas da água dos rios e numa seca quem carregaria a criatura? Pior, se for gulosa poderia engordar como uma porca, e daí, eu nem quero imaginar. Fora que ninguém ainda inventou a DIETA, nem tampouco a CIRURGIA BARIÁTRICA.

— Bem lembrado, Damião, — retruca o incomensurável criador.

— UFA! Estou bem mais confiante agora. Podemos ir em frente.

E Deus criou a mulher para emparelhar com o “bicho homem”; um ser gerado no infinito pretérito a partir de essência plasmática bruta. E passaram-se os anos e os séculos. Milhões de casais povoaram o mundo, e claro... surgiram problemas.

Foi recall disso e daquilo. Casais viram-se às voltas com um efeito colateral da mulher, a “SOGRA”, era marido praguejando pra todo lado. Deus mediou e pacificou as famílias. Surgiu a fofoca, o ciúme e o adultério.

Deus interveio e pacificou os casais. A homarada rotulou a mulherada de “gostosas” e deu o que falar com as feministas. Deus intercedeu novamente, moralizou e coibiu os excessos. A mulher ascendeu na sociedade, houve disputas de gênero, movimentos sociais, a química da Internet, os movimentos LGBT. Confusão na Parada Gay, ninguém mais sabe quem é homem ou quem é mulher.

E Deus deu um BASTA! A moçada surtou com a censura divina. Rotularam-no de radical. Teve quebra-quebra, black blocs, spray de pimenta, esquerda gritando “FORA DEUS!”, prefeito, governador, presidente chiando; uma crise dos diabos (OPS!) e sem precedentes tomou o planeta. Um reboliço.

Deus pede então a Damião seu iPhone38 e via WhatsApp PLUS (pra não gastar) liga pra um velho amigo.

— GRAAANDE NOÉ!!! Venha pra cá urgente, tenho uma nova missão para você.