Consideração ao Próximo

Escrever é um passatempo que me acomete, diariamente, objetivando acelerar a passagem das horas ociosas que avançam célere, em busca do ocaso de minha existência anciã.

O computador tem sido meu passatempo favorito. Desfruto solitários instantes diante da telinha, em busca de notícias, boas ou más, estas, mais frequentes e amedrontadoras.

Acordo às sete da matina, faço a higiene matinal e enxoto a preguiça

com revigorante banho quente. Quebro o jejum com ímpeto esfaimado e, pouco depois, sento-me diante do computador à cata de notícias. Mais adiante, esperançoso, tento produzir algo que satisfaça minha ousada vocação literária.

Escrever sobre o quê? Eis a questão! Nesta manhã, busquei na memória um tanto preguiçosa, algum assunto agradável. A procura resultou infrutífera. Momentos depois, fui salvo pela leitura da Bíblia Sagrada. Ao ler o capítulo 37 do Livro de Gênesis, deparei-me com um nome: Levi, terceiro filho do patriarca Jacó e de Lia, sua consorte.

Levi foi o fundador da tribo dos levitas, cujos membros eram os únicos autorizados a carregar a Arca da Aliança. Ao pronunciar aquele nome, lembrei-me de um amigo, a quem muito estimo, também chamado Levi.

Conheço Levi de longa data. Intelectual de renomada capacidade, crítico literário da melhor estirpe, tem-me honrado com a atenciosa leitura dos meus escritos. Sou-lhe grato por eventuais correções gramaticais e envaidecido quando, generosamente, elogia os textos deste modesto escrevinhador.

Levi é o seu prenome. Assim o tratarei nesta modesta crônica, objetivando preservar-lhe a identidade. Carioca da gema, orgulha-se da miscigenação cearense e da beleza da mãe, nascida na terra de Iracema, a virgem dos lábios de mel.

Certa vez, Levi, a serviço na capital pernambucana, aproveitou a folga semanal para conhecer Porto de Galinhas, no litoral do estado.

À mesa com amigos, de frente para o mar, deliciava-se das iguarias gastronômicas servidas faustosamente em determinado restaurante. Nas proximidades, um grupo de garotos, mal alimentados, implorava favores para saciar a fome quase perpétua, negados por quem se fartava da boa comida e da bebida que lhes alegravam os instantes recreativos.

Num gesto de nobreza assistencial, Levi chamou o garçom, autorizando-o a servir a cada garoto um prato da refeição que lhes fartaria o apetite. Atendidos, os meninos devoravam a refeição com notória gulodice. E o faziam usando as mãos, pois não lhes foram oferecidos os respetivos talheres.

Levi, então, autorizou o garçom a fornecer garfo e faca às crianças, sendo advertido de que, ao final, eles não os devolveriam. Encerrada a refeição, os jovens restituíram tudo, conforme receberam.

Levi entendeu que, embora o homem seja produto do meio em que vive, as circunstâncias nem sempre o torna bom ou mau. A índole malsã de um indivíduo tende a evoluir com a interferência marginal de elementos perniciosos, mas, também, a adequar-se a bons modos de vida, se o ambiente oferecer oportunidades socioeconômicas opostas às da criminalidade. Tais fatores, sabemos, podem muito em seus efeitos!

O voto de confiança de Levi com relação àqueles garotos de Porto de Galinhas é exemplo de maturidade social, respeito pelo semelhante e esperança no porvir, talvez distante, contudo, esperado com ansiosidade.

Que venha logo esse demorado futuro! O brasileiro está cansado de esperar por melhoras há muito reclamadas. Talvez... quem sabe...