O ( f ) imperfeito

Crônica sobre um grupo de teatro do interior, ao qual todas estas palavras foram em vão...

Era uma vez, um mundo dotado de defeitos perfeitos, povoado e governado por uma raça chamada “ser humano”. Esta raça apreciava as mais diversas coisas, prazeres estes que foram se abrangendo a todos os povos, se adaptando ou perdendo vigores, mas que resistiram ao tempo, ganharam os valores desta raça, evoluindo com ela, nos fazendo chegar ao ponto crucial de nossa histórias, nossas histórias, nossas vidas, que lutam pela sobrevivência de outras existências.

Uma funcionária pública, um professor, dois estudantes, dois universitários, um administrador de empresas. Sete vidas, sete casos e personalidades unidas por um convite, por uma tradição... Cidade pequena, estado qualquer: a encenação da vida e morte do maior homem de todos os tempos, é sagrada rotina em toda sexta-feira santa. No ano de 2006 um novo grupo se compromete a realizá-la. Alguns já habituados ao espetáculo, participando assiduamente, outros tendo sua primeira vez em palco, outros tendo sua primeira vez na participação da tradicional peça. Reúnem-se quase todos numa mesma noite com o diretor Carlos Marroco para discutir o assunto. Alguns odiavam os outros e nem sabiam o porque, outros estavam ali e nem sabiam o porque, mas ali estavam para realizar o começo de um grande passo. Ensaios correndo, com eles o ódio se esvaindo e a amizade e carinho ganhando espaço, fazendo mais tarde vício, dependência. A apresentação apesar dos pesares saiu-se bem, talvez não o esperado, nem ensaiado, mas de certa forma: perfeita!

Acabou por aqui? Não nos reuniremos de novo? Por que não fazer outros trabalhos juntos?

As interrogações foram passageiras, a confirmação, o sim chegou poucos dias após. A saudade fustigando a alma, e os planos de reviver a tragédia de Romeu e Julieta nos aliviavam da distância.

Quatorze de maio, dia e nove dias depois da Paixão de Cristo, estavam lá alguns dispostos ao próximo desafio, alguns ficaram para trás, outros de puseram para trás. Mas ali estava o começo de uma Cia, a dependência, a conexão das companhias, uma alma partindo daquelas. O reencontro, as novidades: mais uma estudante e um farmacêutico. Abraços, cumprimentos e palavras mais que necessárias, um sorriso sincero válido por todas estas palavras... O outro começo. Alguns se foram, tiveram de nos deixar durante o caminho, era a prova de fogo, o comprovante de comprometimento, amor e garra!

Mais mudanças, mais aliados, mais idéias... A data marcada: “um dezoitão de agosto”. Músicas, lágrimas, marcações, monólogos intermináveis, parabéns, sensações, figurinos – É amanhã! E foi, sim, perfeito!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Pizzaria, um idoso sem ganhar desconto, comemorações, promessas de um final feliz, ou melhor, promessas do final nunca chegar!

Ameaças deste próximo final... Mas somente e contente ameaça, ao dia das crianças mais uma apresentação, outra comemoração!

E as amizades iam crescendo, conjugando quase família: irmãos, pai, anjo, primos, filhos!

A dependência dos demais crescendo sempre, fazendo-se primórdio entre os sentimentos, e a vergonha já não existia, o falso pudor, a monotonia. Um ia conhecendo e sabendo mais um do outro, pegando o jeito, adaptando-se ao jogo de cintura de cada um. Aos ataques de riso, as piadas sem graça, a serenidade e calma, ás imitações, aos “Ô TIO!!!” aos

“transmimentos de pensação”, as variadas idades físicas, mas na realidade uma única mental. Coisas e detalhes que talvez tenham trago arrependimento, talvez grandeza, mas com toda certeza que daquele momento em diante se tornavam eternas, inesquecíveis, e como separar? De repente ter que dar Adeus aquilo tudo, ter de esquecer e nunca mais viver... Impossível! Eram pessoas, eram verdadeiros amigos, não havia como cada um seguir um lado e fingir que nada existiu, não deveria ser assim, mas assim aconteceu. O pior momento de todos os ruins, a conversa mais curta, mais rápida embora gritassem todos para que acabasse logo, ou convertesse ao antônimo. Mas a esperança falhou, era os últimos olhares, as últimas vozes a falar verdade e besteiras, os últimos ataques de riso, os últimos cortes de ânimo, as últimas graças e palhaçadas, os últimos pontos de serenidade, as últimas loucuras, a força aos poucos indo embora, uma tristeza inacreditável invadindo a mente, o coração, mas ar um clima de que tudo retornaria, de mentira, de pesadelo. As idades físicas gritaram mais alto, cumprimentos (como da primeira vez, como no reencontro), abraços (o calor dos braços aumentava o desespero) E como seria dali pra frente? Não importava, o presente era a questão principal: Cada um deu as costas como deveria (sem combinações, sem outra vez), e seguiram seu caminho, morrendo por dentro... Era o fim!

Os próximos dias seguiram-se despreocupadamente, pois era preciso sempre ocupar a mente... Uma semana, duas, três: Bem vindos á loucura, á solidão, ao lugar onde os que sofrem pela ausência se encontram. Mas o tempo daria jeito em tudo. Mais semanas passaram-se, foram a lugares, viram-se de longe, mas estavam na errada companhia, então aproximar-se era impossível. Durante a rotina do dia-a-dia viram-se também, mas não foram correspondidos, foi de longe e muito rápido... Mais semanas, agora meses, continuavam se vendo, na mente sempre as apresentações, os risos, mas era melhor esquecer pra não doer... Mais meses... Anos! Um oi de costume, sempre vez por outra quando se encontravam, apenas oi, não havia no que conversar, e mesmo assim um oi frio, sem graça, diferente do passado. Oi por obrigação e educação. As vezes ficavam abismados, tristes: - Nossa, como fulano está bem, como ciclano cresceu. E a exclamação não é pelo ato, mas por não ter acompanhado o fato.

Mais anos passam-se, esquecem dos amigos, mas vez por outra uma louca vontade de reencontrá-los, falta coragem... O pudor e a vergonha voltaram... “Como será que está o resto da turma”. Para não ter de pensar nestas coisas, chegam a se desviar na rua, a trocar a calçada, fazer de conta que não existem.

Mas o pensamento é forte, a saudade é forte, sempre que passam pelo colégio onde ensaiavam a lembrança vem a tona, sempre que assistem a uma peça a lembrança também retorna, tudo, o mínimo que havia presente no grupo, vem a tona... Com eles tristeza, saudade!

Alguns continuaram na “vida de artista”, encenando, interpretando em busca de matar a sede, mas o grupo não era o mesmo, não adiantava procurar onde havia nada... Mais anos passam-se, chega a idade adulta, a velhice. Por comentários sabem que um casou, outro teve filhos... E tudo podia ser na companhia dos amigos do passado, poderíamos acompanhar tudo, mas não deu! Fazer o que?! Tudo se fica sabendo por comentário... Que um deles está o hospital, mal de saúde... A vontade de visitá-lo é imensa, mas faz tanto tempo, o pudor e a vergonha ainda existem, e será que lembra de mim?

Outro vai embora da cidade, outro cresce na carreira, ficam tristes, felizes, pela vitória, ou derrota um do outro. E tudo é por comentários, o mundo, a alma insiste em por em seus ouvidos noticias e lembranças de algo que parece ser ontem... Aí sem querer se vê as fotos da juventude, das peças, os figurinos, das expressões, do público sempre fiel, da rotina fiel... os rostos, as fazes eternizadas como se realmente fosse durar para sempre. Aquele sorriso olhando incessantemente, pedindo algo, dizendo mil coisas, seus braços entrelaçados nas costas de alguém... Pra sempre!!! Mas só na fotografia! Provando que as promessas nem eram tão válidas. Mais anos passam... Alguns morreram, se vai ao velório prestar o último Adeus, o verdadeiro Adeus, o rosto já tão diferente, mas a cabeça e o sentimento o mesmo. Mas não adianta mais... É o fim, não somente ao que morreu, a todos!

Os parentes lembram-se daquela pessoa que chegou tão triste, por cochichos a identificam. Toda vez que vai ao cemitério visita o túmulo, lê com desgosto o nome em alto relevo prata sobre o mármore escuro, vê a foto triste, bem diferente das que se possui, dos espetáculos, sorrindo, prometendo viver pra sempre! Conversa com a pessoa, chora. A morte do outro levou o pudor e a vergonha, mas é tarde, nada pode remediar o feito do destino.

As décadas continuam passando, e se encarregam de fazer o bem, o mal, colocar seus detalhes na vida de cada um... Na morte de cada um. Sem últimos desejos, sem mágoa e rancor, só tristeza, boas lembranças e saudade...

Aconteceu tudo isto em uma cidade pequena de um estado qualquer, mas poderia ser com conhecidos seus, com você! Basta lutarmos para que não seja assim.

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 25/09/2007
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