AINDA A MORTE

por MÁRIO GERSON

Volto ao tema, sem me repetir, ou tento, que difícil se torna não retornar ao mesmo ponto de partida quando há perguntas sem respostas, como a morte.

Volto sem receio, agora que tudo passou e me parece que com a confissão da semana passada, me sinto mais forte e menos temeroso quando o assunto é morte. Antes, no entanto, é bom salientar: na manhã de segunda-feira, 17, fui pego, de sacanagem mesmo, por um grupo de companheiros, que zoaram comigo na academia, puxando assuntos de morte. Estremeci na lanchonete universitária, logo cedo, quando Raimundo me disse: "Rapaz, vi uma pessoa morrer assim, assim"... e foi detalhando. Tanto, tanto, tanto que subiu uma náusea, um nojo, quase não comia mais e negligenciei a azia do bolo de Marileide.

Subiu-me um certo receio, as mãos gelaram novamente e me vi diante do estupefato acontecimento. Bastava eu fechar os olhos, pronto, me achava pensando no caixão. De que cor seria. Meu Deus. Então me veio, outra vez, o pavor. E os meninos riram.

A brincadeira sem graça me fez sonhar, noitinha ainda, dentro de um cemitério. No outro dia, até que tentei despistar para os meus algozes o sonho da noite passada, mas não sei com que mágica, não sei com que encanto, eles descobriram, dentro dessas pupilas amarronzadas, o pavor do dia anterior. E cada olhar, mesmo cada gesto que me era conferido, pronto: estão escarnecendo do meu medo da morte. Óbvio demais? Não. Era simples leitura apavorada, pressa de quem não medita. Bem. Era medo mesmo, que sou homem em confessar. Tremi nas bases com as risadas histéricas de Toin de Dora, com a alegria inconfundível dos meninos da Escola de Frankfurt, com a zoada besta do pessoal de Jornalismo. Ninguém respeitou o meu pavor. Até mesmo os mais próximos - e estes se tornam piores, sabendo nossas fraquezas - se aproveitaram da ocasião.

Andei pelo centro. Um amigo me parou, sensibilizou-se com meu medo e começou a falar histórias de morte. "Homem, pelo amor de Deus, mude de assunto!". Ele sorriu. Havia, sim, se empolgado, e deixara-se levar, devaneando entre um assunto e outro, detalhando a batalha de uma tia para vencer uma doença não sei em que ano. E pronto, me apavorou.

Saí por perto da Reitoria e ainda percorri duas quadras. Não demorou muito, deparei-me com um colega que também começou o mesmo sermão. Não me demorei. Conversa pouca, sempre me ocupei de outros assuntos: apegado que sou com a literatura, prefiro comentar os contos reeditados de Caio Fernando Abreu, pensar naquela cena de determinada peça - exemplo: O Balcão, de Jean Genet, quando os personagens ilusórios prevalecem. Prefiro, também, pensar na luta de Ulisses, querendo voltar a sua terra natal.

Prefiro mil vezes esses assuntos da literatura - que são sempre bons e abrem novas perspectivas, do que aquele sem resposta, da morte. É como se existisse algo inexplicável, algo insondável, que a mente humana não conseguisse cogitar. E é, eu acredito, muitas vezes, essa característica inacessível que confere à morte um certo status entre nós.

Uma amiga, durante a semana, me confessou que era "apaixonada" por esse assunto. Cruzes. Nada de paixões. Quero-o sempre longe. Gosto de estar aqui, escrevendo minhas maltraçadas, organizando, na biblioteca, os meus livros; digitando as notas de jornal. Gosto mesmo de abraçar meus amigos e amar os que me amam, mesmo que, assim, eu contrarie o "amai aos que vos odeiam".

Ainda estamos nessa vida! Viva!

Mário Gerson
Enviado por Mário Gerson em 25/09/2007
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