Banheiro

Morei a vida inteira na mesma casa. Ela fica nos fundos de um terreno, atrás da casa da minha avó materna, que é de madeira. O plano sempre foi construir uma casa de dois andares, então iríamos nos mudar para o de cima enquanto minha vó iria morar embaixo, pois a casa de madeira já estava muito velha. Contudo, nunca tínhamos dinheiro suficiente para finalizar a construção, então por anos ficou parada.

Eu cresci no andar debaixo. Todas as fases da minha vida foram naquele mesmo local. Quando toda a sua história está vinculada a algum lugar, você cria uma ligação com ele. Enquanto eu ia mudando ao longo do tempo, poucas coisas se modificavam dentro da casa. Ela era um ambiente estático.

Depois de vários anos de promessas de que a construção voltaria, sem que efetivamente voltasse, meus pais conseguiram ser sorteados em um consórcio e a reforma começou imediatamente.

Levei muito tempo para me dar conta do que estava realmente acontecendo. Quando algo muito fora da rotina começa a acontecer, a tendência é de ignorar o desequilibro. Eu inclusive me recusava a subir para ver a construção sendo terminada. Porém, quando subi, foi o momento que percebi que tudo estava realmente acontecendo. A casa que durante a minha infância toda foi prometida estava sendo finalizada.

Após a conclusão, fizemos a mudança para o segundo andar enquanto minha vó continuava a morar na casa antiga. Todavia, os banheiros não estavam finalizados, teríamos que utilizar os do primeiro andar durante as primeiras semanas.

A casa estava completamente vazia, e quando entrava, me sentia como ela. O único vestígio do que até então era o meu lar, era o banheiro. Tudo nele permanecia igual, dentro dele me sentia completo de novo.

A casa nova não era nem um pouco familiar, e descobri que para minha família também não. Ninguém estava se sentindo em casa.

Dentro do banheiro, eu sentia como se nada tivesse mudado. Eu tinha a impressão de que não houve nenhuma alteração e que o lar que passei 20 anos da minha vida continuava igual. Aquele era o único lugar que eu estava me sentindo confortável. Qualquer um dos cômodos da casa nova me causavam estranheza, embora eu achasse belo. Aquilo não era um lar para mim, eu estava deslocado.

Quando os banheiros de cima ficaram prontos, pouco a pouco, os objetos do banheiro debaixo, o meu refúgio, foram levados para cima. Novamente eu me sentia entranho. Eu não queria aceitar a mudança e eu não queria aceitar que algo estivesse fora do meu controle. Foram mudanças que não havia a possibilidade de serem revertidas.

O vazio do primeiro andar começou a ser preenchido quando minha vó se mudou. Os móveis foram posicionados de jeitos bem diferentes que os nossos móveis. Aquela casa não se parecia com a minha.

Depois de algumas semanas no segundo andar, a minha percepção foi mudando aos poucos. Quando dias estressantes chegavam ao fim, eu ia relaxar na sala. Conforme eu atribuía sentimentos ao novo ambiente, ele foi se tornando aos poucos o meu lar. Quando novamente precisei usar o banheiro do andar debaixo, eu não reconhecia mais aquele como sendo meu banheiro. Apenas das poucas mudanças de objetos, o sentimento de pertencimento foi transferido. Nos acostumamos as mudanças mais rápido do que imaginamos.

Vitor Augusto Vogt
Enviado por Vitor Augusto Vogt em 29/06/2019
Código do texto: T6684761
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