Em vertical

A pressa tomava conta da cidade.

Pés velozes no passo, mãos ágeis no teclado. Olhos no celular, olhos no relógio, olhos nos semáforos, olhos em lugar nenhum.

A "Cidadezinha Qualquer", descrita por Drummond na célebre poesia, era coisa de outrora. “Êta vida agitada, Meu Deus” – Imagino-o contemporâneo aos novos movimentos. O homem não vai devagar, nem a mulher, nem o cachorro. As janelas continuam olhando, e agora somos nós que enxergamos por elas.

Inquieta, observava a rua. Nenhum sinal gratuito de gentileza, exceto por intenção. Uma velocidade avassaladora tomava conta da metrópole de arranha-céus. Sinais, buzinas. Impaciência nível "hard".

Ainda inquieta, olhava verticalmente para a mesma rua - uma avenida. O 13º andar do edifício suntuoso me possibilitava a ampla visão de um mundo físico tomado pelo concretismo e materialismo – a mente analisava, por sua vez, a capacidade de enxergar um mundo paralelo de ações e sentimentos, ou a falta deles. Sabe aqueles momentos que nos paralisam? Pois bem, lá estava eu em mais um curto-circuito de sinapses cerebrais.

Chegava a conclusão de que a pressa se tornara corriqueira. Pressa para pegar o ônibus, para descer do ônibus, para chegar ao trabalho, para sair dele. Pressa para galgar os ínfimos degraus da vida escolar, acadêmica e profissional. Pressa ao pódio. Pressa ao destaque, à fama, ao glamour.

Você ainda não se deu conta do quanto correu hoje. Correu fisicamente, rotineiramente, emocionalmente, psicologicamente. Correu até pelas letras desta crônica. Você correu.

Congratulations, Usain Bolt da selva de pedra!

Minha epifania aflorava e tomava corpo. Perdoe-me a ousadia da indagação, mas a pergunta que não quer calar é a seguinte: finalmente, corre-se para a vida ou para a morte?

Será que os passos velozes descritos no início desse delírio dimensionam, de fato, as coordenadas geográficas ou apenas seguem, ritmados, como um boi viçoso rumo ao matadouro?

Me encaixo na reflexão. Sofro com ela e assusto-me com a ideia de também caminhar para o nada.

Minha avó sempre dizia que trabalhamos muito para ganhar dinheiro... E que quando então ganhamos, gastamos o dobro para recuperar a saúde física e mental perdidas na ânsia juvenil.

Ah, Voinha! Quanta sabedoria...

Alienação em massa, desatenção, likes por status, omissão do sistema e uma angústia exacerbada... Olhava mais uma vez para o "TWD" urbano. Ali estavam eles, elas, nós. Ali estava eu. E a vertigem aparecera como quem rouba, sorrateira.

Por favor, um copo com água!

Precisava descansar alguns minutos. Janela fechada. Olhos no relógio. Que se dane. Em 20 minutos passa o ônibus para a faculdade e eu preciso correr. E quem quer perder o lugar na janela?

"Run, Forrest! Run!"

"Go" é o comando, até segunda ordem.

Lívia Couto
Enviado por Lívia Couto em 03/07/2019
Reeditado em 04/07/2019
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