A Gana do Vizinho.

Um dia um amigo veio emputecido até mim reclamando do mundo e de sua vida. Segundo ele, sua vida não andou, não saiu do lugar, patinou, enquanto a de todos os da sua época deu uma guinada substancial. Disse ainda que procuraria a igreja, pois todos os que buscam aquela igreja estão bem na vida, uns ganharam dinheiro, compraram casa e carro, outros se casaram com um bom partido e de alguma forma se deram bem, enquanto isso ele continuava no mesmo patamar, e, para tanto, culpava seu modo de viver e seu distanciamento da igreja como principais fatores de sua estagnação.

Fiquei ouvindo seus relatos e olhando atentamente seus gestos, sua postura e seu comportamento (havia uma fúria interna incontrolável), enquanto uma pomba sentada no fio de eletricidade acima de nossas cabeças me preocupava, pois essas malditas pombas adoram cagar em nossas cabeças. Acho que fazem de propósito. Só eu já levei umas seis ou sete cagadas de pombas no decorrer de minha vida.

O amigo queria uma solução rápida para um problema que em nada se relacionava com os outros, suas maneiras de viver ou levar a vida, mas sim consigo mesmo. O problema e a solução estavam dentro dele e ele era míope demais para enxergar isso. E nisso ficava se comparando com fulado, ciclano ou beltrano, “olha lá a vida do outro, está pra lá de Bagdá, está melhor que a minha, melhor que a de meus pais, melhor que a de meus cachorros, sua casa é mais florida, tem varanda, área de lazer, garagem para dois carros, seu casamento é um mar de rosas, ganha rios de dinheiro, frequenta os grandes eventos, grandes festas, grandes confraternizações, grandes grandiosidades de formosuras e shopping centers! Olha lá! O tempo passou, eles lá, eu aqui!”

Ouvi o relato atentamente e não tive muito o que dizer naquele momento diante aquele ser humano angustiado e cheio de incertezas. Estava tão agitado que se eu porventura me atrevesse a sequer tecer um comentário, talvez fosse rechaçado de plano, por isso resolvi me aquietar e apenas ouvir. Às vezes a necessidade da pessoa se resume apenas a falar e ter um ouvido amigo que vos ouça, nada mais que isso.

Mas no caso desse camarada a situação era mais complicada pelo fato da comparação, e isso dói muito quando não se sabe jogar o jogo da vida. Compararmo-nos aos outros é uma idiotice sem igual, já que estamos deixando de olharmo-nos para dentro de nós mesmo e nos atentando ao que os outros vivem ou possuem. Isso, visto apenas como um modo comparativo simples, é uma patologia comum passível de ser curada tranquilamente, mas se visto com uma visão de desejo de ser aquela pessoa, de ter o que aquela pessoa tem, o carro, a casa, o emprego, a mulher..., aí sim já estamos adentrando à esfera da inveja. Querer ser alguém que não si mesmo é uma fraqueza, uma insatisfação com a própria vida onde se acha que a do outro é mais formosa e feliz. Balela! Besteiras! Ninguém sabe ao certo o que se passa na cabeça de ninguém. Quando vemos um conhecido que estudou com a gente passando com um carro melhor que o nosso e pensamos, “poxa, aquele cara estudava menos do que eu e ficou melhor de vida”, estamos delegando a outrem o motivo ou desmotivo de nossa felicidade ou tristeza. Seria o mesmo significado daquela velha máxima que diz: “Está chovendo, sair na chuva é necessário, mas se molhar é opcional”, ou seja, cabe a você empunhar ou não o seu guarda-chuva. Ninguém pode carrega-lo para você!

Jamais podemos usar a vida do outro como parâmetro para a nossa, pois cada um carrega sua carga de responsabilidade pelo que é ou o que fez de seus dias. Muitas vezes sequer cogitamos quantas e quantas horas aquela pessoa ficou sozinha trancada num quarto estudando para alcançar aquele objetivo o qual agora só vemos o resultado e nos martirizamos, mas que, no entanto, não nos empenhamos tanto quanto ele. Quantas horas, dias, meses ou anos aquele sujeito trabalhou para conseguir aquele carro o qual agora tu olhas com inveja por “Deus” ou qualquer outra coisa ou pessoa não possibilitara a você também, que esmorecera enquanto o outro rachava lenha ou a cabeça para alcançar algum objetivo na vida. Somos seres individualíssimos, e é absolutamente impossível sermos outrem. A felicidade de um nem sempre é a felicidade do outro, e vice-versa. O que me faz feliz talvez possa entristecer outra pessoa. Tudo muito relativo, tudo muito humano e vivo. Nada pára a Natureza! Isso não significa que se trata do batido termo “meritocracia”, mas na vida existem mínimos e às vezes imperceptíveis detalhes que fazem ou fizeram a diferença. Pessoas com alta carga de obscurantismo ou cegueiras sociais são mais sujeitas a se tornarem vítimas dos modos comparativos ou invejosos inerentes exclusivamente à raça humana. É preciso uma pujante libertação interna, um diálogo de si para si, caso se queira mudar o rumo de sua história. Não pense que Deus como num passe de mágica irá a partir de agora dar um jeito na sua vida. Deus está cansado dessas miudezas humanas. Se já nos concedeu o livre-arbítrio, a determinação é por nossa conta. Do contrário seria fácil viver. Seria passar os dias orando, orando, orando, se ajoelhando, se ajoelhando, se ajoelhando, que de uma hora pra outro tudo se encaixa. Não, acreditar nisso é como uma ofensa à própria inteligência e evolução do homem.

No final do diálogo, tendo apagado meu cigarro contra meu pulso esquerdo, como me é de costume, disse que precisava ir, que precisava resolver alguns problemas, e que, se um dia o mundo se revestisse apenas de perfeições e soluções rápidas, onde todos agissem do mesmo sentido, praticando os mesmos atos, comendo as mesmas comidas e pensando todo mundo de forma igual, seria o fim da humanidade e início da era dos imbecis homens artificiais.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 05/07/2019
Código do texto: T6689097
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