Café

De olhos abertos, deitado em minha cama, de frente pro teto, mais uma vez acordo em um novo dia. Um pouco sem coragem me esforço para se levantar, sinto o chão frio de minha casa, o café forte de minha vizinha e os sons das aves que disputam seus territórios aqui no meu pé de mangueira. Me estico, com um pouco de exercício acabo me despertando com uma certa fome, pés descalços sigo até meu espelho, um bom dia e um olá, higienizo minha boca, interessante como nossa imagem refletida num simples espelho nos faz desconhecido de si mesmo. Alguns minutos depois fico observando a chaleira do café, filtro, depois de despejar numa garrafa térmica, bebo junto com um pedaço de cuscuz que sobrou na tarde passada. Sentado na varanda enxergo o movimento da rua, observo alguns meninos, senhoras, moças, observo o mundo de cada pessoa vivendo cada um seu instante. Ponho a refletir sobre as mudanças que carregamos nas costas, a nostalgia mais uma vez me ataca, pensamentos aleatórios me levam a uma sensação de quando fui um jovem um pouco esperto. Fecho os olhos por um momento, lembro de quando esta casa era mais viva, lembro de quando minha vó acordava cedo, chamando meu tio todos os dias, parece que esse tempo foi ontem. Fico imaginando o quanto é intrigante a nossa consciência, nossa lembrança se torna uma angustia quando imaginamos as escolhas que nós não fizemos, mas também ela se torna um refúgio quando não temos tanta energia para viver experiencias como vivemos um dia.

Estou só, apenas eu e me gato, lembro de quando era jovem, reclamava do tédio, da solidão, reclama por não me sentir bem em me sentir diferente, quão tolo eu fui. Agora com meus 80 anos percebo o quão a solidão é contagiante e nos faz conhecer um lado que se oculta dentro de nós quando passamos a vida toda vivendo no medo, na dúvida... na ansiedade. Hoje, apenas descanso em meus últimos dias, descanso aqui em minha pequena varanda, junto com meu café doce, com a natureza soando em meus ouvidos... Enfim.