O gato

Quarta-feira, 10 de Julho de 2019.

Sempre esbarramos em alguém por aí de vez em quando. Ah, mas com certeza não com quem desejamos! Carlos Alberto é um desse tipo, com quem se esbarra só em hora inapropriada. Não faço de propósito, tudo simplesmente acontece diante desses dois olhos, duvida?

Na semana passada eu andava tranquilamente pelo meu quintal aguando as plantas (como faço sempre ás seis em ponto) e aproveitando o fim de tarde quando de repente me bateu ao portão a Dona Marizete. Dona Marizete vive pra me incomodar. É uma velinha magrela de cabelos pintados de vermelho (que a deixam com cara de palito de fósforo) que toda semana vem para contar-me sobre as novas da vizinhança. Um dia quase disse á ela o que os vizinhos me contam sobre sua pessoa, queria vê-la ficar da cor do cabelo, mas preferi ignorar o sentimento maligno e simplesmente escutar a pobre alma. Continuando: fui até o portão com aquela cara de santo que se encaminha ao martírio e abrindo-o perguntei o que a velha desejava, convidando-a para entrar.

-Sabe o que é Dona Eulália, é que eu estou com tanta visita hoje, nem vou entrar, estou com o café no fogo. Só queria saber se tem como a senhorita tomar conta do meu gato.

O animal na mão dela, no qual até agora eu não tinha prestado atenção pareceu ganhar forma e cor na minha frente. Era um bichinho muito atraente com olhos azuis e pelagem muito branca, fofo como um tapete.

A verdade é que eu não gosto de gatos, são uns traiçoeiros lerdos em quem a gente tem sempre que ficar de olho, mas eu nunca havia visto a dona Marizete tão ocupada, na verdade nem ocupada direito eu a havia visto, estava sempre zanzando por aí de casa em casa. Eu não queria atrapalhar justo quando ela parecia tão atarefada. Além disso o gato era tão grande que mais parecia um filhote de leão, e eu gosto de leões.

-Fico sim - disse recebendo o bichano da mão dela - vai ser um prazer. E como é o nome?

-Onofre. Ah, pode dar de tudo que ele come. Amanhã cedo venho buscar ele. É que hoje menina, não é de se ver que veio meus parentes de Montes Claros! E pensa no tanto de crianças! Se elas pegarem o Onofre partem o coitado ao meio. Isso além do meu irmão que tem uma alergia tremenda a gatos. Mas é só por hoje tá bem? Amanhã cedinho estou aqui querida.

Dona Marizete se despediu andando em seu passinho apressado e ficamos eu e Onofre. Que nome medonho! Se eu fosse o gato não aceitava tamanha humilhação, mas fazer o que? O ditado é claro: gosto é gosto. Dei á ele um pouco do leite que sobrou do lanche (bem se via que ele comia de tudo com aquela barriga) e fui aproveitar o meu sofá.

Onze da noite mais ou menos ouço baterem no portão. O filme e o momento de paz e sossego que se instalara foram interrompidos e saí para a porta da rua com uma pantufa cor-de-rosa, apertando os olhos para ver quem perturbava o silêncio e a ordem.

-É Eulália, né?

A figura, que era um homem pela voz, postara-se na calçada como uma estátua de gesso e fazia gestos impacientes. Só quando cheguei mais perto e percebi que era Carlos Alberto que quis voltar para dentro de casa e me arrumar mais decentemente.

-Me pediram para vir buscar um gato aqui.

Fiquei boquiaberta por um instante mas logo me obriguei a descer do pedestal da imaginação.

-Foram embora mais cedo?

-Quem?

-Os parente da dona Marizete.

-Eu não sei dona. Minha avó me pediu para pegar o gato aqui e só.

-Espera aí.

Ai que homem bonito meu Deus! Passei por ele e fui parar na porta da dona Marizete. Que história era aquela do dona Joaquina mandar pegar o gato comigo? Eu nem tinha intimidade com dona Joaquina, muito menos o gato.

A velhinha veio andando de camisola pro meu lado e foi explicando.

-Não querida, é que depois de passar na sua casa me lembrei que a dona Joaquina, que é muito chegada minha, me comprou o gato a uns dois dias, tão sozinha a pobrezinha! Eu fique de entregar pra ela, mas sabe como é né minha filha? Com tanta visita, conversa vai conversa vem, fiquei sem jeito de dar pra ela o gato. Aí telefonei pra ela e falei que tava com você.

-Entendi.

Eu sabia que gato só trazia problemas. Dei boa noite á Dona Marizete e fui andando pela calçada para explicar o ocorrido para Carlos Alberto, que continuava plantado na porta da minha casa. (Ai que homem lindo!) No fim tudo se acertou: dona Joaquina ficou com o gato, dona Marizete pôde receber os parentes e eu fiquei acordada a noite toda pensando: por que raios fui sair de pantufas cor-de-rosa para atender o portão?