João e o Rato

Mantenho duradoura amizade com o competente engenheiro da área naval, João (sobrenome omitido para preservar-lhe a identidade), homem íntegro, atencioso, educado, de vasta cultura, um dos mais proeminentes intelectuais entre seus pares.

João enobrece a equipe de técnicos responsáveis pela implementação de programas e de gestão de fundos, desenvolvidos por certo órgão do governo federal. Ao requisitá-lo para integrar a plêiade de profissionais daquela superintendência, o governo fez excelente escolha. João ficou satisfeito por retornar ao cenário de sua especialidade, depois de quase dois anos de uma aposentadoria que o deixava insatisfeito.

João é gaúcho. Sim, gaúcho! E de Pelotas! O Rio Grande do Sul tem merecido elogiosas considerações de seu ilustre filho, ao mencionar as riquezas naturais e culturais do estado, com destaque para a culinária e as festividades típicas da região. A chula, por exemplo, é uma dança que consiste em evoluções acompanhadas de música e sapateados ao longo de uma tora de madeira exposta no chão.

Em agradáveis palestras, empolgado e sem-cerimônia, esse gaúcho residente em Brasília alardeia sua competência junto ao belo sexo. Sim, belo e não frágil, como se dizia no passado. Tal qual adolescente de primeira viagem, discorre sobre passeios ao Uruguai na companhia de lindas namoradas. É lá, também, onde ele saboreia a melhor carne de cordeiro da América do Sul.

As conversas que João mantém com atentos ouvintes, nem sempre são de caráter profissional ou político. Vez ou outra narra episódios de suas experiências por esse mundo de meu Deus. Recentemente, contou a mim e a Levi uma história um tanto pavorosa para ele.

Disse-nos, naquela oportunidade, que certa vez, ao chegar a sua residência, adentrou o quarto de dormir com a intenção de descansar da árdua labuta. O ambiente espaçoso e aconchegante contém cama, televisão e um armário onde guarda revistas e livros que tratam dos repetidos assaltos ao Erário, cometidos por políticos de diversos matizes ideológicos.

Encontrava-se ele em relaxante repouso, quando ouviu um barulho vindo do armário localizado no lado direito da cama. O farfalhar das folhas de papel o incomodava. Levantou-se e investigou os quatro cantos do quarto. Nada constatou. Ao cair da noite, adormeceu vencido pelo cansaço. Altas horas, despertado por insistente barulho, não teve dúvidas de que um bicho qualquer lhe fazia companhia.

Os dias seguintes não foram menos pavorosos. Toda vez que se dispunha a dormir, ouvia incômodos sons vindos do armário, até que, certa feita, flagrou asqueroso intruso. Um rato bem avantajado anunciou-se como seu companheiro de quarto.

João, que sentia um pavor inexplicável pelos murídeos, passou a conciliar o sono coberto por imenso lençol, preso à cabeça, pés e braços, na expectativa de evitar que o tal rato viesse alojar-se em partes do seu corpo trêmulo, motivado pelo pavor.

Depois de infrutíferas tentativas para capturar a ratazana, João contratou um especialista. O profissional apresentou-se cheio de empáfia, garantindo êxito na empreitada. Colocou veneno em dose excessiva, certo de que, em poucos minutos, o assunto estaria resolvido. Que nada! Passaram-se horas intermináveis, com João atento aos acontecimentos e o exterminador contando casos inverídicos de sua experiência profissional.

Naquela noite, nada foi resolvido. No dia seguinte, o exterminador voltou à batalha com mais disposição, munido de chumbinho, veneno letal para qualquer vivente. Agora, eu o pego! – disse o caçador de ratos, arrogantemente.

As horas passavam sem resultado favorável. João pensava como seria a noite que se avizinhava ameaçadora, com o rato vivinho da silva, fazendo incursões pela papelada depositada no abarrotado armário do quarto, e o exterminador vasculhando papéis, limpando o móvel na intenção de pegar o bicho.

De repente, uma enorme ratazana passou incólume entre as mãos do exterminador e, em desabalada carreira, subiu a janela e projetou-se para o jardim. O rato nunca mais foi visto naquele quarto de dormir, agora despojado das tralhas que antes serviam de esconderijo aos murídeos que infestam as casas, mundo afora, amedrontando pessoas como João, um homem forte, gaúcho macho, capaz de enfrentar destemido bandido, mas que treme de medo de um simples rato.