PORTE DE ARMAS...

        Dona Mirtes fechou a porta da frente e saiu caminhando devagar pela rua de paralelepípedo, em direção à farmácia. Ia com cuidado para não tropeçar, afinal 75 anos já pesavam bastante. A manhã estava ensolarada e bonita. Distraída pensando na artrite, artrose, bursite. No pigarro, na tosse, na faringite e outros males, não percebeu a aproximação da moto.  Rápido com quem rouba, o motoqueiro enfiou a mão pela alça da bolsa e puxou com força ao mesmo tempo que acelerava. A alça rompeu-se mas o impacto levou dona Mirtes ao chão.  Ajudada por transeuntes, enquanto se levantava ainda avistou o o ladrão antes que se perdesse no transito. Então pensou que se estivesse portando uma arma, ela não teria sido de nenhuma ajuda, pois estaria na bolsa. Fez um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima e voltou para casa humilhada por ter sido vítima naquela idade de um malfeitor provavelmente jovem, e sem ter a menor idéia de como fazer para se defender.

                Uns dois anos depois viu no noticiário da TV, que o novo presidente era a favor da liberação de armas para a população. Tinha em casa uma arma de seu falecido marido, na qual nunca tinha tocado. Abriu o pequeno baú de madeira e examinou com cuidado. Pensou em procurar um stand de tiro para ter algum treinamento pois nada entendia de armas. Não se sabe se fez isso ou não. Algum tempo  depois, foi acordada por ruídos suspeitos na fechadura, e passos em volta da casa. A princípio congelou de medo, então lembrou-se da arma e foi tomada de uma súbita coragem. O bauzinho agora ficava ao alcance da mão. Empunhou a pistola e ficou vigiando a porta. Percebeu que a fechadura estava sendo forçada, e não teve dúvidas, disparou duas vezes perfurando a porta de madeira. Ouviram-se passos em disparada e o barulho de um carro se afastando.  Não acertou, e o bandido fugiu. Tentou dormir novamente, mas estava muito agitada, com adrenalina a mil. Ouviu batidas na porta, era uma patrulha policial chamada pelos vizinhos. Após ouvir a narração de dona Mirtes, o sargento perguntou "A senhora tem registro dessa arma?" a velha senhora não esperava que a preocupação do policial fosse com a arma, e sim com o ladrão. "Não sei" respondeu ela. Então, o sargento apreendeu a pistola, e preencheu um papel  onde solicitava a presença de dona Mirtes na delegacia na manhã seguinte, para ser interrogada por tentativa de homicídio, e porte ilegal de arma. Indignada ela lembrou-se do Presidente. "Ele está coberto. de razão, todo cidadão deve ter o direito de se defender e de defender sua casa". Daquele momento em diante passou a ser defensora intransigente do projeto de flexibilização da posse de armas.
Al Primo
Enviado por Al Primo em 17/07/2019
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