O Pianista

O PIANISTA

“Eu queria ser pianista! Mas de repente não tinha mais piano em casa, de repente eu não tinha mais casa”, nem mulher, nem filhos. Tudo isso porque querer não é poder, e nunca tive o menor talento para a música - não entendo como alguém como o Beethoven tinha um “ouvido” melhor que o meu -. Perdi tudo, só sobrou o computador e um pouco de dinheiro para pagar o aluguel desse quarto imundo e as pensões, claro as pensões dos meninos.

“Foi aí que eu arressolvi comer gilete, É, aquelas lâminas de barbear ou de “raspar as pernas”, como dizem as mulheres. Pernas? Sei... Bom , eu ia pra praça quebrava as giletes no meio, começava o espetáculo dantesco e depois corria a sacolinha. Engraçado como todo mundo gosta de aberração. Nunca faturei tanto.Quando me cortava mais, quando saía mais sangue, o pessoal ficava doido, delirava, e a sacola ficava cheia. Pena que gastei quase tudo com dentistas e médicos.

Numa noite “mamãe passou Vick Vapourub ni mim e eí eu fiquei bom!”. Acordei outra pessoa. Olhei para meu computador, para o teclado, e caiu a ficha. Lembrei como sonhava em ver as pessoas sonhando ao som das minhas músicas. Nos rostos a ansiedade pala próxima nota, do próximo toque , do meu próximo dedo, na próxima tecla do piano.

Me tornei jornalista, e alguns me chamam de escritor. Ganho pouco, vivo mais ou menos. Mas quando sento nesse banquinho, ajeito meu fraque, estalo todos os meus dedos ao mesmo tempo e começo a executar meu teclado, lembro de casa que tive, dos meus filhos, do piano, do Beethoven – maldito Beethoven. Lembro dos travestis que em ensinaram a engolir gilete, do povão, dos médicos, dos dentistas e do dinheiro. E, embora não entenda ainda porque, sempre lembro de alguns comerciais também.

Eduardo Marcyano – 03/03/2007

Eduardo Marcyano
Enviado por Eduardo Marcyano em 26/09/2007
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