Mudança de Rota.

É tão fácil acordar e tão difícil dormir, que tem horas que quando se dorme e se acorda se pensa em continuar dormindo eternamente. Muitos sonhos são vagos e esquecidos como a névoa desaparecendo nos primeiros raios de sol; outros ficam e a maioria nem sequer se tem notícia de sua existência. Seria o limbo, o sono morto, o vazio de um caminhante num mundo do qual não se carrega mais lembranças.

Hoje, diferentemente das duas últimas semanas, onde busquei sair de mim, acordei bem cedo, com o raiar do sol. Meu sobrinho de oito anos, que está em férias escolares em nossa casa, urra logo pela manhã, urra à tarde, urra à noite, ou seja, urra o tempo todo. Ao despertar, sua primeira reação é o urro. Ninguém sabe de onde ele tirou isso, provavelmente da internet, mas é um urro animalesco que acorda praticamente até a vizinhança. Fico irritado com aquilo, mas quem tem que ver é a sua mãe, o que não ocorre. Meus pais não têm reação contra isso; falam, apenas, para não urrar assim, mas é como se nada dissessem. A criança urra cada vez mais e mais forte. Um dia deve parar. É a fase do urro. Igual teve a fase do “vai tomar no seu cu”, a fase das quebradeiras, televisores, micro-ondas, copos, pratos, garfos lançados ao vento, etc, etc, etc, coisas de uma criança “super” saudável.

Após escovar os dentes fui até a cozinha tomar um pouco de café puro, já que não consigo comer pela manhã. Aproximei-me de onde meu pai que estava tomando o seu, do mesmo modo e na mesma posição e localização de mais de trinta anos, ou seja, em pé em frente à janela e olhando para o quintal. Nisso vai bebericando seu café e vendo o sol raiar no horizonte do Brasil. Não sei o que se passa em sua cabeça naquele momento. Hoje em dia, já em seus setenta e um anos cravados, imagino que pense no cigarro que já não pode fumar mais devido a um “mini” AVC ocorrido em janeiro de 2018. De lá pra cá não fumou mais. Diz que às vezes sente uma vontade incontrolável, mas não pode. Hoje me aproximei dele com minha xícara de café, fiquei lado a lado e na mesma posição que a dele, e ele, ao me ver, foi logo para o quintal. Percebi que deva ter sentido cheiro de cigarro em mim, em minha vestimenta, em meu corpo, em meus poros, já que fumo há vinte anos. Preciso parar com isso e com muitas outras coisas, dar um fim em determinados comportamentos que quando estão sendo consumados são legais e divertidos, porém quando a realidade bate à porta cobrando sua contrapartida, o corpo e a mente penam.

Veja bem, este é um monólogo, o que significa que nem tudo o que está escrito aqui seja para agradar, fazer rir, chorar, se emocionar ou mudar a vida de quem quer que seja. Isto aqui só é feito para a autoanálise pessoal do escritor. Portanto, quem quiser interromper a leitura agora, que o faça de bom grado; por outro lado, aquele que quiser continuar posso afirmar que não perderá nada, mas poderá deixar de lado algumas informações talvez um dia importantes em dado momento de sua vida.

Não sou um expert na arte de viver, ao contrário, por mais coisas e situações e experiências, andanças e leituras que trouxe até mim um modo peculiar de enxergar o Mundo e as pessoas, me considero um neófilo na arte existencial. Fracassei em alguns pontos que poderiam ter feito a diferença, ou não, nunca se sabe. Não fui bem nos relacionamentos (pelo menos até agora), empacando em um casamento, um divórcio, um namoro de três anos e dois rompimentos dolorosos. Profissionalmente não tenho o que reclamar, pois quase que domino a matéria na íntegra. Por pouco não chego lá. Pequei sim em meu abuso com o dinheiro. Não o guardei. Gastei tudo com cervejas, cigarros e outras porcariadas. Deixei de trabalhar por um tempo. Vaguei muitas vezes sem rumo pelas ruas de São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, Franca e Uberaba em busca de uma solução para os meus problemas, sem saber que minha saída era retomar minhas atividades em meu próprio escritório. Confesso que fui desidioso em muitas situações. Às vezes ficava dias sem abrir o escritório, no período da “grande depressão”, o que me fez perder nome e muitos clientes. Tenho plena consciência disso, um dos meus arrependimentos existenciais.

Por outro lado, teve tempo em que trabalhei por três ou por uma sociedade inteira de advogados, períodos em que estive bem forte física e psicologicamente, e, coincidentemente, esses períodos se correlacionavam com minha situação conjugal, ou seja, estive bem enquanto estive com alguém; estive mal e fodido enquanto estive sozinho rodeado por amigos. Chegar a está conclusão me valeu muitos anos de reflexão. Parece ser uma conclusão simples, onde qualquer um pode se perguntar com um ar de exclamação:

“Nossa, mas como ele demorou?!”.

As coisas não são tão simples assim. A dúvida entre levar uma vida “outsider” e uma vida de família sempre perdurou em minha cabeça, até o presente momento, onde chego agora, no auge de meus quarenta e três, à cabal conclusão de que viver em família, com uma mulher companheira ao lado, é bem mais salutar e viável do que qualquer aventura transcendental ou alucinógena.

Sei que outros se insurgirão dizendo:

“Mas antes, praticamente até mais da metade de sua vida, você foi um “outsider”, e somente agora, na quebrada do Cabo da Boa Esperança, é que você de fato chegou à conclusão dos benefícios da família?”.

De fato vivi muitos períodos enrustido num personagem “outsider”, mas intercalei este personagem com o familiar também. Fui casado durante quase sete anos (não chegamos a sete. Dizem que quando se passa o sétimo ano de casamento, não se separa mais. Não acredito, mas o meu não ultrapassou), tive uma vida regrada e familiar, caseira, pai de família, o mesmo tive quando do período de faculdade, onde trabalhava o dia todo e estudava à noite, com uma rotina de dormir à meia noite e acordar às seis da manhã, isso todos os dias, com exceção dos sábados e domingos, durante mais de três anos, até terminar a faculdade e me transferir de São Paulo para Ribeirão Preto, onde atribuo parte de minha derrocada. O período em Ribeirão foi infernal! Ali me dei de topa com a liberdade, morar sozinho, ter um carro, um escritório e uma sócia.

Até então nunca havia presenciado a fundo a dita e maldita liberdade extrema entregue de mãos dadas a quem não sabe usá-la. Fiz horrores que nem gosto de recordar. Bebi demais, transei demais e com muitas mulheres diferentes e, o pior da história, me afundei nas drogas. Por sorte, a própria liberdade, talvez notando o meu abuso, me expulsou de si e me trouxe de volta à minha cidade natal, onde encontrei minha ex-mulher, no que namoramos seis anos e, como disse, ficamos casados mais uns seis anos e alguns meses. Nesse período também tive momentos de trégua na guerra da vida, para viver e para escapar dos vícios. Os livros, a constância em um relacionamento e a prática contínua de esportes (corrida, natação e musculação), me deram bons frutos e bons momentos de paz e reflexão. Portanto, não fui um “outsider” durante boa metade de minha vida, mas tive momentos entremeados de loucura e lucidez. Esta é a verdade.

Agora não quero mais, não aguento mais a dita “loucura”, excesso de álcool, uso de drogas e mulheres diversificadas. Não desejo mais isso! Quero uma mulher, uma vida tranquila, uma paz, um silêncio, ouvir o mundo e trabalhar para me manter bem, a mim e minha família. Só isso.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 23/07/2019
Reeditado em 23/07/2019
Código do texto: T6702457
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