Rua da Saudade

“Só amor não é suficiente.”

“O quê?”

“Eu falei que só amor não é suficiente.”

“Suficiente? Como assim?”

“Suficiente para permanecer, para ser.”

Não entendia o "start" da conversa que havia começado de maneira tão repentina.

Seguíamos calados desde a saída do passeio vespertino. Ou melhor, seguíamos calados há meses. A voz física andava fraca, abafada. A de dentro havia se calado e nem sabíamos o diagnóstico da patologia.

“Veja, uma flor... do que ela precisa para sobreviver?”

“Água?”

“Sim. Mas também precisa da luz do sol. E da água em proporções exatas. Muita água mata a planta, sabe? Ela morre afogada.”

Mais confusa que o padre Marcelo Rossi depois da queda na missa, ainda me questionava sobre o início da inebriante conversa.

“Mas por que isso agora, Vinícius? Eu não te entendo.”

“De que mais a Flor precisa, Carol?” – “Sol.” – Soltei sem titubear.

“Ótimo! Imagina uma flor que só recebe sol. Vai morrer, coitada.” - O sarcasmo começou a acompanhá-lo em uma das esquinas da cidade, mais ou menos na mesma época em que a voz dava os primeiros sinais de enfraquecimento.

As frases eram ditas enquanto caminhávamos na longa rua da saudade, rua da minha casa e infância, depois que voltávamos do passeio no Museu – demasiadamente entediante, por sinal. Os olhos dele eram como os de quem sonhava, mas sonhava acordado. Não me olhava assertivamente, mas olhava para frente, como quem via o futuro.

“Carol, só amor não é suficiente. Tem que ter água, tem que ter sol, tudo na proporção correta.”

Estacionei. Sim, fazia sentido. Mas, não, não fazia. – “meu Deus, o que diabos ele quer?”

A ficha começava a cair: a analogia era sobre nós dois. Em frações de segundos minha mente confusa já tinha material suficiente para a produção de um artigo científico.

É... Não sabia o que dizer. Na verdade, vinha me preparando para aquela situação, mas a hora do confronto é fatal e eu não conseguia assimilar e dimensionar a veracidade daquela circunstância.

Caminhamos silenciosos por cerca de dois minutos, até a chegada no portão de alumínio que dava acesso à minha casa. Número 12.

“Vinícius...” – antes que eu pudesse falar o que quer que fosse, ele me interrompeu, sorrateiro e seco:

“Essa flor é você, Carol.”

Segurei as lágrimas e o tsunami que nascia, avassalador, por detrás das minhas costas, pronto para afogar-nos - ou apenas me afogar, talvez.

“Essa Flor é você. Tenho a água para matar a sua sede, mas já não tenho o domínio do sol. Ele anda escondido. Você sabe, é inverno.”

Eu não sabia o que dizer naquele momento esperado e caótico. A mente descarrilhava como um trem de carga a 400 Km/h. Teste para cardíaco. Confronto de um clássico das multidões.

“Vinícius, me ouça. O verão vem. É um ciclo...”

O que eu não entendia, ou talvez não queria aceitar, é que até os ciclos acabam. O nosso, então... Não sabemos perder, certo? Você não sabe, eu não sei, a autora do texto também não sabe. Não ensinam isso nas escolas, em casa o assunto é tabu. Não existe um pódio para os perdedores. A culpa não era exclusivamente minha em querer barganhar com o destino – mas não se barganha com destino.

O amor é um cão dos diabos, já dizia Bukowski. Inclusive, o velho Buk andava há um tempo na cabeceira da minha cama, no criado-mudo, no meu livro de bolso, na companhia das garrafas de vinhos tomadas nos sábados solitários.

Pensei em não pensar em nada naquele momento. Um silêncio ensurdecedor apossou-se da situação. O que eu queria na verdade era esbravejar, sabe? Chorar mesmo, rasgar o peito. Mas a voz – lembra da voz? – então, ela havia perdido as habilidades. “Sem voz como é que a gente chama alguém?” – pensava.

Ele continuava a atabular como um disco de vinil arranhado e ultrapassado: “Essa flor é você.”

Ok, eu era a flor. Andava pálida, sem cor. De fato, o sol não dava as caras desde o último poente, sabe Deus a data. A terra também não me alimentava. Andava fraca, não tinha firmeza. Vivia insegura – o inverno também maltrata as plantinhas.

“Olha, não precisa falar mais nada. Eu entendi.”

O desatar de um término é, de fato, uma dor doída. E não é que o sertanejo universitário acertou mais uma vez? Peço licença à senhora gramática para justificar o pleonasmo. É uma dor que dói e ponto final, não me venha com correções. Camões também falou. Se ele disse, tá dito.

Como quem amputa um braço morto, adentrei no portão, muda como uma flor. Talvez você se questione: “mas e ele?” “como foi?” “terminou mesmo?” “é só isso???”

Ora, ora! Se estás aqui, sabes como essas coisas de adulto acontecem. Não tem o que enfeitar, não é Natal - é inverno. A flor precisava (re)nascer. Só amor não era suficiente. Não é, nunca será.

Faz parte da vida, entende? Sigo tentando me convencer disso também. E talvez eu nem queira mais ser flor. Talvez eu seja árvore, floresta. Ou talvez eu nem seja. É tudo uma questão de ponto de vista.

Você tem de morrer algumas vezes antes que possa realmente viver.

Obrigada pela inspiração, Charles. Essas palavras que escrevo me protegem da mais completa loucura.

Lívia Couto
Enviado por Lívia Couto em 23/07/2019
Reeditado em 23/07/2019
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