Exclusive

Descobri que tenho uma gerente. Sim, uma gerente. Uma bancária que trabalha das 10h às 16h na Vila Mariana, recebe uma PLR no valor do meu salário anual, tem um HB20 branco e compra terninho na Zara.

Se apresentou como Mari, minha gerente. Achou que apelidos, cargos e pronomes possessivos me deixariam deslumbrada e me fariam relevar aquela tarifa de 33 reais no meu extrato. Ela me chamava o tempo todo de Van, com aquele sotaque da Mooca que eu odeio, e amo imitar. Agora sou exclusive, terei a atenção total dela via Whatsapp, um plano progressivo de benefícios, fidelidade, tratamento especial, responsabilidade emocional e uma cesta. “Porran! Namorado nenhum me deu isso...”, pensei.

Valorizando o meu cinismo inerente, perguntei o que fiz pra merecer tamanha honraria de uma instituição financeira que lucra 200% ao ano com taxas de manutenção, juros e crédito especial. Ela riu, tão constrangida, parecia que tinha acabado de oferecer assento a uma grávida que prontamente recusa, dizendo que só está gorda. Mas ela queria me oferecer uma experiência: “Van, um banco completo precisa que seus clientes se sintam completos. E por você ser cliente há muitos anos e ter um valor significativo na conta, automaticamente entrou em outro patamar”. Ah, pronto!

Tenho pavor de destaque. Nesse momento eu vi na minha frente uma hostess loira de vestido tubinho me recebendo com um welcome drink num rooftop da Vila Olímpia, com um DJ tocando um “lounge” pra aquecer, uma gay alto padrão falando que o público de lá é s-e-l-e-c-i-o-n-a-d-o. Heineken long neck a 14 conto, homens de barba desenhada e pisca-pisca decorando a sacada amontoada de gente limpa, bem-vestida e bem-sucedida falando sobre investimentos, Tailândia, Mackenzie, startup e peeling diamante.

Acho que Mari não sabia que eu tinha acabado de me demitir. Achou que aquele dinheiro todo era propina, caixa dois ou qualquer outra fonte de renda tipicamente caucasiana. Mas era a rescisão, um abono proletário, conquistado com anos de superação, resiliência e falta de perspectiva. Era a minha reserva comprometida até o fim do ano com conta de luz, comida pra gato, Ibuprofeno e minha cervejinha, porque ainda sou filha de Deus.

Além disso, das poucas coisas que me recuso nessa vida dar dinheiro pra banco é a maior delas. Já dei dinheiro mais de uma vez pra uma moça que fica no metrô República. Todo dia ela está menstruada, faz 30 anos e precisa de mais 2 reais pra completar o valor do pacote de absorvente. Ela já deve ter 300 anos e uma anemia. Já dei dinheiro pra um mendigo bêbado que disse que não queria comer nada não, só queria tomar cachaça. Já dei dinheiro pra um adolescente comprar um cigarro solto na banca de jornal. E, mais grave, já dei dinheiro pra Globo quando liguei pra votar no Jean Willys, que ganhou, graças a mim, o BBB 6. Agora, pra banco não dou um centavo. Uma vez eu saquei 3 mil reais de um banco e fui depositar no outro. Andei na rua com um envelope de dinheiro numa mão e o cu na outra só pra não pagar DOC. Se tem algo de que posso me orgulhar nessa vida é do meu critério.

Enfim agradeci Mari pelo reconhecimento e disse que essa era uma oportunidade que eu não poderia deixar de perder. Atrelado ao meu poder aquisitivo de araque, estava essa taxa, e eu queria continuar na periferia bancária, onde as contas vendem bolo de pote pra complementar o saldo e fazem barraco quando o filho entra no vermelho na escola. Se não fosse possível, eu iria sem problemas até a agência tomar um café com Mari, já que agora tenho tempo de sobra, mas levaria um carrinho-de-mão para transportar toda minha fortuna rescisória até outro banco (pra não pagar DOC). Ela insistiu, mas acabou vencida. Tirou de mim a tarifa, a fidelidade, o Whatapp, a cesta, a responsabilidade emocional, os pronomes e os benefícios progressivos. Justo. Mari, sem comissão, ainda fez questão de me estornar as últimas letras do meu nome: “Até mais... Vanessa”. Vanessa, sem descontos ou abreviações. Completa.

Vanessa A
Enviado por Vanessa A em 25/07/2019
Reeditado em 25/07/2019
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