Dominação literária²

Com os olhos brilhantes, minha professora do primário falava sobre a importância da leitura, sobretudo a da escrita. Não adiantava – essas competências estavam atreladas num alto nível de dependência. Desde muito pequena sempre fui incentivada e atraída pelos textos literários.

Comecei com a literatura amistosa de Ana Maria Machado. Depois a doçura de Ruth Rocha arrebatou meu coração! Cecília Meirelles me mostrou o que era uma poesia. Lembro-me das rimas, dos versos e estrofes que cirandavam entre as linhas do livrinho paradidático. Monteiro Lobato era de lei no fundamental I. Como não ovacionar tamanha criatividade?

Não demorou muito e Pedro Bandeira deu as caras na minha vida de pequena leitora. Passava horas a fio lendo as obras de sua autoria e imaginando perseguições policiais, paixonites agudas e dilemas infanto-juvenis. Não tínhamos Facebook, Instagram ou WhatsApp, mas tínhamos imaginação fértil e isso era fantástico.

Minha mãe ralhava comigo por ler demais, dizia que a “vista” precisava de descanso, mas orgulhava-se disso por onde passava. Cresci um pouco mais. Certo dia, em minhas andanças literárias, conheci Clarice - que me desmontou em três tempos. Recordo-me das aulas de literatura e dos debates sobre a efemeridade da vida e sobre os devaneios utópicos presentes nas obras de Lispector. Era uma montanha-russa de sensações e sentimentos. O meu coração adolescente estava ali – e permanece até os dias atuais.

A ucraniana foi porta de entrada para drogas mais pesadas e violentas: Primeiro Drummond apareceu, todo sorrateiro; depois passei por Bandeira. Vinícius de Morais me fez chorar de soneto a soneto. Mário de Andrade, Mário Quintana... Prosas de Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Aluízio Azevedo... Que nostalgia, meus amigos! Rachel de Queiroz e Ariano Suassuna reafirmaram no peito aberto o orgulho de ser nordestina. Até que um dia respirei o ar machadiano. Nossa!

Machado é o fim da linha – ou o início dela. Tudo é uma questão de perspectiva. Ele me apresentou um novo mundo em forma de prosa - conheci então a tão conclamada Capitu. Hoje somos amigas e eu te afirmo: ela nunca traiu o tonto do Bentinho, ou Bento Santiago para os que têm menos intimidade. Através de Machado cheguei a Shakespeare. Ah! Enxerguei o âmago do teatro. Hamlet, Otelo, Romeu e Julieta... A tragédia ganhou um espaço cativo em meu coração. Cirandei pelo romantismo da 1ª geração e te garanto, o amor é exacerbado sim. É forte. É avassalador. Conheci o jovem Werther por intermédio de Goethe, Edgar Allan Poe me fez fã dos contos mórbidos.

Viajei pela linha do tempo literária, fui de Portugal à França. Conheci o trovador e o modernista. Vivi os movimentos, os quadros, as músicas, as revoluções, os amores e as dores de cada época. Aos poucos fui entendendo os gêneros textuais e os processos comunicativos da linguagem e da língua. Conheci autores atuais e me (re)apaixonei pela escrita.

A vida logo tratou de atarefar-me com coisas não tão prazerosas quanto a leitura, confesso. O tempo que já era curto, tornava cada vez mais ínfimo, como o sopro da noite boêmia. Não poderia abandonar aquela que me fazia voar sem asas, então dediquei-me às crônicas e não parei – acho, inclusive, que hoje preciso de intervenção psiquiátrica. Caros amigos, ler não é para os fracos. Aguentar a carga psíquica dos textos literários e os sentimentos que eles arrematam nos fiéis leitores é uma coisa de louco. Antonio Prata, Osman Lins, Luís Fernando Veríssimo, Rubem Braga, Fernando Sabino... Desconfio que não os leio, e sim que sou lida por eles. Não há explicação para tamanha satisfação e deleite. Hoje brado sem medo de represálias: Somos o que lemos. Definitivamente.

Eu sou recortes de movimentos num movimento constante. Hoje escrevo para libertar-me das amarras da angústia e para dar asas à liberdade criativa que a licença poética presenteou. Hoje escrevo porque mulheres corajosas um dia também o fizeram. Escrevo porque me disseram que é importante. Escrevo para mim, para você e para quem mais quiser. Escrevo.

Escrever é conhecer, o conhecimento gera poder e o poder é a deliberação arbitraria da capacidade de influenciar o outro. Satisfação é escrever sobre satisfação de ser escritor, e nesse momento, isso me basta.

25 de Julho – Dia Nacional do Escritor.

Lívia Couto
Enviado por Lívia Couto em 25/07/2019
Reeditado em 26/07/2019
Código do texto: T6704688
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