ESCUTATIVA

Eu participava de um encontro com profissionais da área de saúde, cujo objetivo era implantar um projeto de combate ao tabagismo. A cidade era Curitiba, o local era um hotel. Em paralelo, vivia um momento particularmente reflexivo que emprestava uma certa gravidade a todas as situações. No transcorrer daquelas palestras, muitas dinâmicas eram colocadas em prática, todas inspiradas em filosofias de auto-ajuda, cheirando a incenso e Nova Era. Foi assim que, numa manhã longa e sem atrativoS, dirigi a Deus uma oração silenciosa. E nessa oração, perguntei ao Senhor: “O que eu estou fazendo aqui?” E o “aqui”, compreendia bem mais do que o âmbito daquela sala de conferências, tão animada, com a contemplação das capacidades humanas, diga-se de passagem, ali muito bem representadas.

Naquela mesma tarde, uma técnica psicológica, denominada “escutativa”, atraiu-me para uma dinâmica que conquistou minha atenção. Aprendi que “escutativa”, compreende a arte de escutar o outro, ouvindo com atenção. Apenas isso.

Foi só um momento de lucidez, mas bastou. Porque aquele momento cintilou, reverberou, e no influxo de divina brisa me arrebatou, para muito além daquele ambiente, daquela sala, daquela cidade, alcançando em segundos a terra de Canaã. E aterrissou ali, no meio dela!

Na planície de Sinear, encontrei a Torre de Babel. Vi que os homens daquele lugar escutavam-se mutuamente, obedeciam a um só comando, e construíam a mais alta torre que alguém poderia imaginar. A torre era feita com tijolos. A cada tijolinho acrescentado, exortavam uns aos outros, com um apelo humanístico, que interpretava o desejo da sociedade laborativa de todas as épocas: “Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre, cujo cume toque no céu e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra.”( Gn 11: 4).

Quando olhei para aquele povo reunido, no âmbito mais amplo de Sinear, identifiquei princípios de psicologia que conjugavam práticas para exaltar o homem e o poder de agregar adeptos a uma causa comum.

Mas quando Deus desceu, para ver a cidade e a torre que os homens edificavam, não gostou do esforço dos seres que criara, para a sua glória, dedicados a uma causa tão inglória. Por causa do que viu, concluiu que não haveria restrição para tudo o que resolvessem fazer. Decidiu, então, confundir a sua linguagem, para que um não entendesse a linguagem do outro. E foi assim, que a capacidade de escutar o outro - a contemporânea “escutativa”- foi substituída, pelo não entender o outro, e a torre eruginosa de Babel permaneceu inacabada, até os nossos dias.

Passado o momento de cintilância meditativa, não pude mais regressar, simplesmente, sem antes, entender as razões pelas quais o Senhor Deus, deixou Sinear sem torre e sem cidade, e espalhou a turba pela terra afora, na mais confusa debandada da história. Na escutativa, Deus me disse que o pecado do homem não está confinado à edificação de uma cidade e à construção de uma torre, tão somente, mas a um projeto exclusivamente humanístico, que o faz eliminar de sua vida, o Autor das histórias individuais e coletivas.

Aqui e ali, sempre acontece uma reedição da Torre de Babel, cujos objetivos podem ser nobres e belos, mas primam pela ausência de Deus no centro, verdadeiros megalíticos pré-históricos, reproduzindo bustos mais atuais e temas mais afinados com a manias desta era.

Bem, e a “escutativa”? A escutativa daquela tarde, alcançou objetivos bem mais interessantes do que a vã psicologia possa supor, em seu desejo de cativar ouvidos moucos para oradores pífios. É que me ocorreu, repentinamente, que eu poderia escutar, no lastro de um vetor celestial, aquele que conhece todas as falas, que interpreta todas as línguas, que representa todos os povos, que esclarece todos os pensamentos, que sintetiza todas as lógicas, que intermedia todas as negociações: O Espírito Santo de Deus. Tenho feito isso, desde então. Tenho-me tornado atenta a um conjunto de interpretações subjetivas, acerca de Deus e dos homens, procurando compreender as razões divinas e também as emoções humanas, refletidas no mais escondido. Porque compreender, não significa, necessariamente, vivenciar os mesmos sentimentos, ou concordar com as mesmas interpretações. Compreender, também pode ser: não vivenciar os mesmo sentimentos, não aceitar as mesmas interpretações, não compactuar com as mesmas omissões e, ainda assim, aceitar as diversidades, conviver com as diferenças, e aprender com elas, o que Deus quer-nos ensinar.

Ana Maria Bernardelli é autora dos livros “Não há Jerusalém sem Gólgota” e “O Vaso, o Tesouro e a Fera, publicados pela Editora Hosana.

Ana Ribas
Enviado por Ana Ribas em 27/09/2007
Reeditado em 08/11/2008
Código do texto: T670817
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