Não era Sobre Isso que eu Queria Falar.

Saí de casa ainda sorvendo um pedaço de banana na boca enquanto trancava o portão. A calçada e a sarjeta estavam imundas. Lixos da noite e lixos do dia. Não existem coletores de lixo por aqui. Existem sim, de acordo com a gestão política. A atual é um lixo por igual.

Vivemos em meio ao caos geral da Nação. Elegemos um louco para presidente da República.Digo "louco", mas não do tipo “maluco beleza”, mas um insano de manicômio portador de psicopatia, esquizofrenia e outras manias de grandeza e poder. Um ser doente. Os órgãos, entidades e demais autoridades já estão de prontidão. A mídia está em alerta. Corremos o sério risco de implantação de um regime severamente ditatorial, o que acho muito difícil num país com as proporções do Brasil. Logo darão um jeito de sacá-lo e depositá-lo em algum arquivo público esquecido por aí.

Mas não era sobre isso que queria falar. Ontem o Palmeiras venceu o Godoy Cruz da Argentina e passou para as quartas de finais da Taça Libertadores da América versão 2019. Apesar de palmeirense e ter assistido o jogo sozinho em casa comendo pipoca e tomando suco de uva, isso também não foi de grande relevância.

Tenho coisas a resolver. Coisas antigas dentro de mim. Com os anos de profissão, posso me considerar um profissional calejado e experiente, e as coisas a resolver não se correlacionam com a profissão, mas comigo mesmo. Há algo dentro de mim que precisa ser corrigido, para não dizer consertado. Não sou muito afeito à “ciência psicológica”, sem críticas aos profissionais da psicologia, os admiro, mas apenas não absorvo sua forma de tratamento e/ou correção íntima de um indivíduo. É uma salutar forma de aconselhamento, de encorajamento, de tentar abrir o olho do cidadão para um mundo que talvez ele não esteja vendo, e que, provavelmente, esteja perdido em outro tentando encontrar a porta de saída. Como no desenho animado dos anos 80, A Caverna do Dragão, tentam a saída a vida toda. Tentam infaustamente, pois a saída muitas vezes não é externa, mas dentro do recôndito do âmago. É ali, onde ninguém pode adentrar, é que habita a razão de cada qual. A educação é de suma importância, principalmente na segunda infância e princípio da puberdade. Os ensinamentos de pujança, de que se deve lutar para um lugar ao sol e ao mesmo tempo respeitar cada qual dentro de sua individualidade de ser, muitas vezes, por aqui, são relegados a terceira prioridade. Primeiro lançam o cidadão ao mundo da concorrência e ostentação. Por isso o adolescente é revoltado. Ele quer as coisas, a moda, o mundo, tudo. Os amigos o tiram se não estiver adequado à tribo que ele se identificou, ou achou bonito. A família o repreende por acha-lo meio preguiçoso, sem saber que na adolescência a preguiça é quase sempre fisiológica. Há um desenvolvimento orgânico intenso com o efervescer dos hormônios, o que gera tristezas, cansaços, fome, desejos, insegurança, ansiedade. E isso é normal. Muito natural.

Todo mundo visa a felicidade, mas poucos fazem por merecê-la. Querem-na rapidamente e a todo momento como se um apertar de botão resolvesse todos os problemas do mundo. A vida não agrada ninguém. Você se agrada. Você se ama! Ao menos deve se amar, pois depois da mãe (o que existem exceções), ninguém vai te amar tanto como você. Afaste-se do que te prejudica, mesmo que absorto, penses se tratar de um prazer, de um momento de libertação, de paz. O prazer, a libertação e a paz, mesmo que momentâneos e de forma artificializada, podem cobrar caro e numa hora em que você não terá como pagar. Lembre-se disso ao se envolver com álcool, drogas e amizades vazias. Seja forte dentro de si para dizer um NÃO, um simples NÃO, na hora exata quando a fraqueza e o cansaço contribuírem para sua sucumbência. Às vezes é preciso lutar consigo mesmo para que um de nós não morra. As decisões que envolvem a sua vida devem ser sérias. Logicamente não se deve deixar a inocência e o lado criança de lado, mas devemos lutar para manter a saúde e a mente em dia, sem interferências externas. Cada um sabe de si na hora que a água bate no queixo. Por isso, “aprenda a nadar”, pois raros se disporão a nadar com você nas costas. E se não houver botes ou salva-vidas, você já era.

Foi só depois dos quarenta anos que aprendi essas coisas. Aprendi da pior forma possível, a mais amarga, a experiência. Aprendi levando pancada na cabeça e nas costas, sendo passado para trás, traído (me lembro da época de quando trabalhava no banco Itaú da agência Jabaquara ... Longa história), sacaneado, maldito e difamado, mas aqui estou; ao menos trouxe a lição de minhas milhares de leituras solitárias dentro de vagões de metrô, botecos fedorentos, ônibus lotados naquela segunda feira de 1998 que quase me fez um perdido pelas ruas do Bairro Santo Amaro, em bibliotecas, principalmente a do prédio Patriarca do antigo Banespa, onde hoje funciona a prefeitura de São Paulo. Aquele prédio carrega uma magia em minha vida. Sinto até o hoje o cheiro daquele ambiente, os livros velhos, milhares, milhares, o café expresso da máquina, a fumaça dos cigarros nos banheiros, os momentos debruçados nas enormes janelas olhando aquela multidão de pessoas correndo atrás de um sonho, um amor, um emprego ou uma conta para pagar, isso após divagar horas sobre homens como Schopenhauer, Pascal, Sêneca, Confúcio, Platão, Nietzsche, Fernando Pessoa, Baudelaire, Bukowski, Sartre, Camus, Voltaire, Gabriel Garcia Márquez, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Augusto dos Anjos, Lima Barreto, Fernando Sabino, John Steinbeck, Joseph Conrad, Henry Miller, Jack Kerouac, Dostoievski, Tolstoi, Gorki, Gogol, Samuel Beckett, poesias, filosofias e literaturas várias misturadas à poluição, à correria e ao suor da fronte. Era um par de sapatos por mês. Como estagiário, meu tempo era curto e minha paciência tinha que ser enorme. Assim me afundei de cara nos livros e hoje sou grato porque podem me tirar até as cuecas, mas o que li, o que vivi e aprendi dentro dos livros, ninguém, nunca, jamais conseguirá tirar. Estão arraigados a cada fragmento de minhas células, em cada porção de éter e em cada alçar de voo de Minh ‘alma.

Mas não era sobre isso que eu queria falar.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 31/07/2019
Reeditado em 31/07/2019
Código do texto: T6708957
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