O VELHO CASARÃO

Lêda Torre

1918. Século XX, quem diria! Naquele velho casarão foi-se o tempo...quantas saudades e quantas lembranças doces! Ali, foi o lugar de grandes sonhos embalados pela inocência e brincadeiras de crianças. Vi também minhas irmãs caçulas nascerem, onde a cegonha era tão esperada por nós...fonte de credulidade da nossa parte.

Estilo colonial, remanescente de uma cultura daquela época, e conserva até os dias de hoje, os resquícios da escravidão, do senhorio dos barões que ali deve ter vivido em Colinas, antes de nossa família.

Dentro daquela casa, vimos nossa infância brotar a cada dia a alegria abundante do nosso coração tão puro, a simplicidade reinava absoluta entre nós. O amor e cumplicidade dos nossos pais eram a tônica que sustentava uma família de gente simplória como éramos. Aquele exemplo de casal era nossa referência.

Crescíamos a olhos vistos, aprendemos as primeiras letras, amadurecemos naquele lar aconchegante como sempre fora o velho casarão. E infelizmente, além da alegria, na vida a tristeza também nos acompanhou, quando no auge da nossa infância e adolescência, perdemos o chefe da casa, nosso amado pai Fernando Tôrres, arrebatado por uma morte repentina, num 31 de outubro de 1971, no esplendor de seus 42 anos de idade, data que jamais esqueceremos.

Diante da nova situação em que a família se encontrava, dona Creuza, minha mãe querida, com apenas 31 anos de idade, ficou sem seu maior aliado, seu amado esposo. E agora? O que fazer com 8 filhos pequenos para tomar de conta em tudo? Foi um grande desafio para aquela heroína.

Brincar e estudar foram palavras de ordem de nossa rainha. Sábia e soberanamente mamãe nos comissionava das tarefas de casa, entre estudar e fazer as obrigações. Presente, sempre, mamãe nos acompanhou em tudo, ali no grande casarão, onde o mesmo nos abrigava e protegia das intempéries do tempo, da vida, como uma fortaleza.

O velho casarão até hoje nos abrigou, pois todo período de férias, a saudade do nosso lar nos impulsionava a voltar pra casa. Na alegria e na dor, o casarão testemunhou nossos momentos bons e tristes, incondicionalmente. Até hoje, como é bom voltarmos ao velho amigo casarão, sem que seja por tristeza, mas pelo amor que lhe temos. Já adultos, jovens sonhadores, fomos aos poucos deixando o nosso abrigo para buscar a realização dos sonhos em outras plagas desconhecidas, sonhávamos em nos formar em alguma carreira que nos garantisse não somente a subsistência, como a concretização do projeto de constituir uma família só nossa e realizar-se profissionalmente.

Entretanto, mesmo saindo para longe de casa, em toda oportunidade que surge, o retorno é certo. Certo para matarmos as saudades do nosso lar. Certos sempre estivemos de que, vale a pena relembrarmos os feitos e aventuras de infância e da adolescência. Momentos únicos que jamais esqueceremos.

O velho casarão, portas gigantes, paredões feitos de adobes de barro, enormes, altura incomum, exorbitante, janelas enormes, ainda hoje permanece assim no seu design original. Com o tempo e algumas reformas, a sua exuberância e resistência são suas marcas registradas. O tempo tem sido seu maior aliado.

Completados em 2018 um século de existência, nem o tempo, nem a chuva, ou os ventos fortes, nem o sol, o frio ou o calor, nada tem afrontado esse gigante impávido, mais firme do que nunca, a desafiar todas as intempéries.

Foi também no velho e querido casarão, que um dia bem criança ainda, eu conheci Deus, lembro-me bem como antes não o conhecia. Filha de pais católicos, não fomos habituados a ler a Bíblia, nem fazer orações ao grande Deus, ia às missas e alguns eventos mas não achava graça da minha parte. Eu queria mais saber de Deus, quem era o grande Deus.

Desde pequenina, eu gostava de ficar na janela dia de domingo para ver os “crentes” passarem para sua igreja, e eu ficava curiosa em saber como era ser crente...e o amigo casarão testemunhava isso.

Passava o tempo, os anos, e crescíamos. E certa vez chegaram uns crentes da Assembleia de Deus no nosso casarão, e queriam alugar a casa do lado e o salão para funcionar a 1ª Igreja Assembleia de Deus. Para mim foi motivo de grande alegria, pois finalmente eu ia saber como eram os crentes, o que era ser crente, era assim chamados, por nós católicos.

Eu e meus pequenos irmãos passamos a assistir todos os dias de culto e trabalhos daquele povo. Memorizávamos as pregações, os louvores da harpa cristã, e cada dia mais era gratificante viver aqueles momentos espirituais diferentes. Era só acabar os cultos, que na hora de nossas brincadeiras, repetíamos direitinho o que ouvíamos naquele salão. As bonecas e os brinquedos serviam de ouvintes nas nossas pregações. Como foi bom aprender de Deus, a partir de brincarmos de ser crentes!

Até isso, o casarão foi testemunha nossa. Estar com aquele pessoal diferente, era tudo que eu queria. Foi nessa época que a santa palavra de Deus foi fincada no meu coração, para nunca mais esquecê-la e tentar vivê-la. Acredito que por volta de meus 9 aninhos de idade.

Muito se fosse narrar, talvez não finalizasse essa crônica tão cedo, sobre os fatos e eventos que aconteceram no velho casarão ao longo da nossa existência, seria uma tarefa hercúlea, mas uma coisa é certa: o bom velhinho, nos acolheu e acolhe sempre que voltamos, pois ali crescemos, me casei com meu inesquecível esposo Moizeis, ali meus filhos nasceram e cresceram por um bom período, ali perdemos pessoas amadas como o mano Ferdinã, jamais esquecido, enfim, tudo tem sido importante no nosso lar doce lar, mesmo eventos tristes, como as perdas de outros entes queridos, como os avós maternos, sobrinho, o primeiro neto da mamãe, o Thompson, um anjo que mora no céu...matamos as saudades e revivemos tantas lembranças maravilhosas vividas no grande casarão.

São Luis (Ma), 1º/08/2019______________

Lêda Torre
Enviado por Lêda Torre em 01/08/2019
Reeditado em 23/06/2021
Código do texto: T6710273
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.