ASSOMBRAÇÃO

Lembro-me de em criança, eu e minhas irmãs sentadas no chão da sala, ouvindo meu pai contar estórias de assombração. Não sei se ele as criava para nos divertir, ou para ajudar a propagar os rumores da colônia.

Havia a clássica da mula sem cabeça, da cobra que era gente e das luzes que acendiam repentinamente na matinha da estrada, que ia para a cidade.

Eu adorava! Era o meu cinema! Acho que foi por conta dessas estórias que aprecio tanto os filmes de suspense.

Lembro que do nada, enquanto fazíamos silêncio, ele começava. “Uma noite, vinha eu pela estrada e de repente...”, pronto, já era o anticlímax para nós.

Arregalávamos os olhos, e se por ventura estava frio, enrolávamos nas cobertas como sinal de proteção. Lá fora só se ouviam os grilos, o barulho do vento nas árvores e algum carro desavisado que passava ao longe. Silêncio e breu.

Minha mãe ficava em volta com seu sorriso indulgente, até a sua paciência se esgotar com tantas lorotas, e colocar a todos para dormir.

Lembro-me em especial de uma de suas estórias, que ele disse que vinha vindo como sempre, pela estrada, e na curva que antecedia à matinha, vislumbrou pedras brilhantes espalhadas no pasto. Eram diamantes, segundo ele! Todos a disposição, esperando apenas alguém apanha-los. Havia ouro também, ele disse, e muitos outros objetos valiosos, que não pôde precisar.

Nesse dia fiquei ouvindo em suspenso e de boca aberta, pois ele contava tão bem, que parecia que eu estava vendo todos aqueles objetos à apenas um passo. Um passo de ficarmos todos ricos. Até porque, eu não sabia o que eram diamantes até ali, mas se ele falava com tanto assombro, deviam ser valiosos.

Então, de repente, eu ergui o corpo de modo a ser vista na roda de crianças, e perguntei do nada: “Papai, e havia bonecas também?”. Então, ele ficou parado por alguns segundos sem saber o que dizer. E depois, acredito que participando do meu desejo que era o dele, ou seja, de ter algo belo, novo e brilhante, disse: “Sim, você sabe que eu vi uma bem bonita, sentada em cima de uma pedra?”.

Então, feliz, eu voltei para a roda com um sorriso de gratidão para ele. Gratidão por fazermos um pacto com a fantasia.

Anos depois, pensando nessas estórias, entendi que os seus “causos” eram uma forma de tornar a vida mais leve e interessante para ele, mas muito mais para nós.

(publicado no GCN)

Angela Gasparetto
Enviado por Angela Gasparetto em 02/08/2019
Reeditado em 02/08/2019
Código do texto: T6710463
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