O VOO ALARANJADO

Titubeava leve como uma pena. Dançava ansiosa de lá até cá. Podia ouvir no imaginário o barulho triturador dos rápidos movimentos das asas. Cortava o ar fazendo curvas circulares e audaciosas.

O verde das gramas reluzia forte, banhado pela luz penosa e amarela do sol. Aquele dia estava quente, bonito, firme. Lá dentro, frio, cinza, firme. Por sorte e direito podia sair vez ou outra na branca porta que se abria como um portal ao jardim da vizinha velha.

Os cachorros hoje se encontravam silenciosos. Talvez estivessem obedecendo a existência dela, a borboleta alaranjada, que assentava rapidamente nas flores brancas médias. Tão pequena e tão respeitosa, imponente. Ingenuamente imperativa por naturalidade, deu de cara com ele.

Fechado em si, respirava no sol o que não podia respirar nas horas disponíveis que alimentavam a conta bancária. Mas, nossa. Naquele instante uma estranha e sem vergonha alegria rebuliu no estômago e subiu para o peito colmado pelo ar quente.

Incontrolável sorriso desabrochou de uma forma assustadoramente natural, como a ‘imperialidade’ da borboleta alaranjada. Que alegria! Que alegria? Que alegria é essa? A leve pena laranja que levitava sobre as flores brancas parecia encara-lo, sorridente, desafiadora e debochada. “Eu estou livre e você, preso”.

Mas era apenas impressão. Uma borboleta jamais poderia competir e envaidecer-se frente ao pesado viver do ser humano. Sorte a dela ser borboleta: livre, num segundo estar ali, noutro sumir.

Que inveja dela – sentimento, inclusive, que borboletas provavelmente não têm. Ah, não têm! Mas essa inveja não sufocava a alegria que sentia. Ele estava livre. Por poucos segundos, mas estava. Saboreou a mélica sensação de o dia ter valido a pena.

Nada se compara à mágica transformação da borboleta. De asquerosa à deslumbrante. Ninguém nunca conseguirá atravessar incrível caminho tão misterioso e impressionante. Onde ele estava agora? Era larva? Não, talvez não. Provavelmente crisálida.

Sentia-se coberto pelos seus desejos profundos e claros, pulsando a sair no voo mais aberto e forte que poderia existir. Convicto, porém, que ainda não era borboleta. Não sabia, afinal, calar os cachorros. Mas já era capaz de silenciar seu pessimismo. E, ora, grande ganho! Nem todos, hoje, conseguem tapar a boca do próprio derrotismo.

A borboleta alaranjada pousaria ali novamente na semana seguinte. Dizem, sabe lá quem, que a passagem de uma borboleta significa morte ou a chegada de coisas boas. Ele preferiu optar pela segunda opção, claro.

Voltara para o casulo. Retornou à produção de sua teia para se firmar na certeza da felicidade e no voo tão desejado. Mas aquela borboleta levou a ele certo inexplicável sentimento: de viver... de querer viver. Ele, então, levou consigo, dentro da alma, o voo alaranjado.