E aí bebê

Não fala comigo!

Banalidades, banalidades...

Respeitar o fim é entender que a noite acaba, e um novo dia começa.

Isso não significa, necessariamente, que as atividades precisem ter início a pleno gás, logo cedo.

O sol chegou, eu taco um blecaute e fica tudo certo.

Só não uso um abafador desses de avião ou de operário, porque não quero acordar e imaginar que estou no meio do nada.

Sei lá, morri?

Estou mergulhando com tubarões?

Sonhos idiotas que a gente tem, e que não queremos de forma alguma que se materializem ao acordarmos.

Mas bebê, não fala comigo!

Esses dias lembrei de quando morei de parede e meia com o que imaginava ser uma família, já que eles tinham, um bebê.

Saio cedo, volto tarde, não fico na frente da casa, não paro em área aberta, não tenho necessidade de socializar com a visinhança.

Então, se tem um bebê, é uma família.

Sabe aquele cômodo que te transmite a sensação de que as pessoas estão ali, convivendo com você?

É bem assim.

Que seja o quarto:

Esses pais não se comunicam, realizam atividades comuns, não fazem nada mais íntimo, se é que me entendem?

Relacionamento em crise, talvez?

Ah, lembrei: eles tem um bebê, e moram em um cubículo igual ao meu.

Se ouve a tv, o deslocar de objetos, os movimentos, os celulares.

Mas eles nunca se comunicam em voz alta.

Mãe, pai, solteiros?

Independente de quem seja, sai bem cedo pela manhã.

ou, o bebê que gosta de madrugar mesmo.

Tá. Eu não sou esse cara insencível.

Se o bebê chora, pode estar com dor, desconfortável com o clima, ou até com fome.

A primeira coisa que vem a mente é:

Será que eles precisam de alguma coisa?

Casal inexperiente, em dificuldades, responsável singular?

Bater na porta e socializar seria uma boa coisa a fazer, não é?

Puxar uma conversa normalzinha de socialização ou ser totalmente direto.

Olá, meu nome é Osmar.

Moro aqui ao lado e,se precisarem de alguma coisa e for do meu alcance, ficarei feliz em ajudar.

E depois eu penso:

E se realmente precisarem, de mais, a um nível de carência?

E eu não digo carência em um modo xulo.

Mas, de abuzar mesmo.

A mão, o braço, você ali pra gente em modo companhia.

Vocês me entendem.

Não haveria problema algum em quebrar um galho, ajudar com algo que falte para o bebê ou para eles, que seja.

Ser a luz que se reflete em uma soma de escuridão e tranquilidade proporcionada pelo blecaute no meu quarto, que me permita dormir em paz.

Mas não.

Eu continuo indo dormir querendo ouvir os chique chiques, as brincadeirinhas antigas, os sininhos e uma possível musiquinha feliz de ninar vinda de um brinquedo qualquer.

Me ajude, eu durmo junto!

Mas, nada.

Uma tv ligada, alguém anda por lá, mexe em coisas, prepara outras, o bebê emite algum som, chora de vez em quando, mas se tem tranquilo.

O despertar que nunca é.

Sempre chora!

Será que fica com a babá?

Eu não fico em casa para verificar... e, onde que eu iria espiar para observar quem sai, quem entra?

Numa dessas manhãs, tive a ideia de fazer um pequeno buraco na parede afim de verificar o que estava acontecendo do outro lado que esteja fazendo a criança chorar tanto.

Porém, haveria de estudar o melhor horário, afim de saber quando todos estariam fora de casa, para que obviamente, não fosse pego.

Imagine o diálogo:

"Esse visinho está tentando pregar um quadro?

Fez um buraco para nos espionar?

Querido, vem aqui!

Tem um senhor maluco nos espionando por um buraco na parede"!

Até imagino a cena...

O estudo, a perfuração da parede, tudo isso daria muito trabalho.

Imagine se eu consigo fazer o buraco e descubro algo de grave que há do outro lado?

Se eu vi, preciso denunciar.

Acontece do meu lado, do lado da minha cama!

Não vou ter mais como dormir em paz.

Não, isso não pode acontecer...

E pior: se alguém me vê, me denuncia por importunação ou qualquer outra coisa do tipo, seria o meu fim.

Sem ter como pagar a fiança, o que eu diria para os meus filhos, para os meus netos?

Isso se tivesse fiança, né?

Sem dúvidas, me interditariam!

E se for um mafioso dos bebês?

E se for um cara mal encarado que está tentando recomeçar a vida sozinho, com seu bebê.

Ele poderia ter um destino diferente, mesmo estando foragido.

Mas, um senhor malvado, sozinho e insociável o denunciou e o mandou de volta para a cadeia,

enquanto o rapaz somente tentava recomeçar a vida e criar seu filho longe do crime.

Sozinha e revoltada, a criança cresceu,

seguiu os mesmos passos do pai, se tornando ainda pior do que o mesmo.

Agora, ele quer vingança. E vai atrás dos familiares que restaram desse senhor que, obviamente, não é mais vivo.

Mas o que é a morte, não é mesmo?

Entre a vida e a morte de meus queridos, do próximo, ou até de mim mesmo, eu sigo de olhos abertos, irritado, com um martelo na mão, com um único pensamento em mente:

E se eu aproveitasse o dia para tomar um café na esquina?

Eles sempre vivem pedindo para pensar positivo, porque não?

Parece que funciona tão bem!

Para eles. Que moram em casas enormes, que não faz parede e meia com ninguém.

Mas bebê!

O que eu fiz?

Fui, tomar um café.

Mal tive tempo de fechar o portão e fui abordado por uma moça que me perguntou se havia notado algum movimento incomum na casa ao lado.

A primeiro momento não identifiquei. Mas, era ela!

Não a mulher, mas a casa.

Casa essa, onde provavelmente viveriam as pessoas ou a pessoa estranha, que tinham um bebê.

Não aguentei por já estar por conta, com sono e preocupado, e acabei dizendo tudo.

- Moro ao lado e sempre ouço a movimentação comum da casa.

Parece sim que há uma criança, até que boazinha.

Mas, costuma chorar bastante pela manhã.

A mulher não demonstrou surpresa. E pior: até sorriu.

- É, eu sei bem como deve ser.

O pai é um irresponsável. Uma ótima pessoa, mas um irresponsável.

Se ela dizia, apesar de eu compartilhar da mesma opinião, quem seria eu para contestar?

Eu estava morrendo de curiosidade para perguntar o que havia acontecido, se ela estava voltando pra casa, se somente iria visitar o pai e o filho, que deveria ser deles.

Mas no fundo eu só queria voltar a dormir tranquilamente, e permanecer assim, de preferência, durante todas as manhãs.

- Sabe... - ela decidiu desabafar.

- Me separei do pai dele a uns seis meses.

Engravidei muito nova, não tive como cuidar da criança.

Nos casamos, não deu certo, ele decidiu ir embora, e ficou certo de que era mais fácil para ele levar a criança.

Tá. Zero machismo até aqui. Quem sou eu para julgar a atitude alheia?

Cada um encara a realidade de maneira que lhe convém.

Por que um homem não poderia cuidar sozinho de um bebê?

Ela continuou:

- Eles até que se deram bem.

E até onde sei, não passaram por dificuldades. Por mais que tenham mudado de casa várias vezes.

Encontraram essa aqui na região, que o aluguél é mais em conta.

Fica perto de tudo, e inclusive do trabalho dele.

Onde, consegue levá-lo para a creche dentro do horário e tudo mais.

E eu pensando:

Viu? Não tem problema. É um pai trabalhador, sozinho, que acorda cedo e está lutando pra criar o filho enquanto a mãe pode.

Tá. Eu disse zero machismo até aqui. Zero!

- Eu não tenho nada contra o pai dele. Não tenho mesmo. De coração. - Disse ela, com uma voz um tanto embargada.

- É um cara bom, esforçado, trabalhador, ama o filho.

O problema é que às vezes ele é meio preguiçoso.

Preguiçoso? - perguntei.

Ela diz que o cara é esforçado, trabalhador, ama o filho e depois o chama de preguiçoso?

- É. Acho que seu grande defeito é não gostar de acordar cedo.

Agora confundiu tudo, ou se explicou.

Se o cara não acorda cedo, não alimenta a criança e a mesma chora. Mas, não acorda nem com o choro do filho, deixa que continue e sono que segue?

Mas ele não a leva para creche, trabalha?

- Leva, trabalha.

O turno dele é de 14 às 22, sabe?

Conseguiu alguém que levasse o garoto até seu trabalho, ficam com a criança lá até sua saída, que até então, dá certo.

Pô. O cara chega em casa tarde. Olha aí onde entra a mãe nisso. - pensei.

Mas, eu não tinha nada com a vida dos outros. Estava ali, bisbilhotando a vida alheia, pagando de psicólogo no meio da rua, só.

No fundo, todos sabíamos o que eu queria. Dormir em paz.

Queria que tudo se resolvesse logo para que eu pudesse voltar a dormir. Só isso. Seria pedir muito?

E você? Veio visitar a criança?

Agora são o quê. Umas 10:00. Ele ainda deve estar em casa, né. - Arrisquei, ainda achando que estava dando muita corda para aquela conversa toda.

O que eu queria perguntando o que aquela mulher vinha fazer ali?

Não era da minha conta. Mas por outro lado eu estava preocupado e queria resolver aquilo logo.

Como já disse antes, tudo não passava da garantia de um sono tranquilo. De preferência, sem interrupções.

De repente ela me olhou de uma forma estranha, com o olhar de quem está prestes a pedir um conselho, como quem precisa desabafar a muito tempo e só agora encontrou a pessoa adequada.

Não, senhora. Eu não sou a pessoa adequada. Não mesmo. - pensei.

E quem enfiaria isso na cabeça daquela mulher esperançosa?

- Eu sinto muita falta dele e do meu filho.

Era pra gente ser uma família... - ela acabou desabafando de vez.

E porque não podem? - perguntei, assim, na lata.

Boa pergunta. - respondeu ela, com mais esperança ainda.

Por que não podemos?

E pensando bem, podemos sim!

Eu tenho um emprego legal, ele também, a gente se arranja, não é?

É, claro! - respondi.

Mas no fundo eu pensava:

Se arranjam sim. Aliás: Devem!

Sejam felizes, deixe o pai ser feliz sozinho com o filho, mate a saudade, mas faça essa criança parar de chorar. - Pensei

- Ah, obrigada! - Ela abriu aquele sorriso lindo, e me abraçou.

- Muito obrigada! Eu estava mesmo precisando conversar com alguém sobre isso. Alguém que me escutasse, que me entendesse, que não me julgasse, e que acima de tudo, pudesse me aconselhar.

- Que é isso. Estamos aí pra nos ajudar. Não é mesmo?

- É... acho que sim, né? - respondeu ela, com outro sorriso.

- Então... eu vou lá.

- Tudo bem. Boa sorte!

- Ah, obrigada. Mesmo. De coração.

- Não há o que agradecer. - Respondi enquanto mudava de ideia e voltava novamente para minha casa, e observava aquela mulher ir tentar a sorte na casa ao lado.

Pronto, Osmar. Você conseguiu.

Se queria acompanhar uma rotina familiar com criança, seguida de atividades sexuais durante a noite, possivelmente bem ao lado de sua cama, e uma possível choradeira pela manhã, você fez a escolha certa.

Agora que eu estava ferrado mesmo!

Parece que quem faz o bem, recebe o bem.

Até onde ouvi, eles conversaram em tom moderado, que se tornou um ar mais pleno de felicidade, e só.

As vozes cessaram, a porta bateu, e só.

Eles decidiram?

Tiveram alguma discordância?

O cara continuaria sozinho com o bebê e a rotina seria a mesma?

Eu estava morrendo de curiosidade e preocupação comigo mesmo, ao ponto de querer sair pra rua e encontrar a mulher novamente e perguntar como tudo havia ficado. Mas não.

Fiz a coisa mais normal que poderia se esperar de minha parte. Dormi.

Durante a noite não ouvi movimento algum do outro lado.

Pensei: Normal.

O pai vai chegar mais tarde, a mãe vai ficar com a criança durante um tempo, tudo vai ficar bem.

Até que dormi novamente.

Acordei no outro dia sentindo falta dos movimentos do outro lado da parede, e até mesmo do choro da criança.

O silêncio seguiu durante aquela manhã, da manhã do dia seguinte, e por toda aquela semana.

Bate aquela preocupação, mas fazer o que, né?

Se não verifiquei nada quando havia barulho, porque espionaria agora?

Até que na semana seguinte ao sair para o trabalho avistei um caminhão parado em frente a casa e a movimentação de alguns carregadores que traziam caixas de dentro da mesma.

Ah, então era isso. Ele se mudaria, de novo.

Não sei se estava fugindo da mulher, se haviam decidido ficar juntos.

Não sabia, não perguntei.

Os caras terminaram de arrumar as caixas no caminhão, o meu antigo visinho ainda desconhecido embarcou, e se foi,

Me deixando plantado no meio da calçada com um olhar embasbacado, direcionado para o vazio agora existente devido a saída do caminhão.

posso ter ficado com essas dúvidas na cabeça, mas ao menos consigo dormir.

Ou, conseguia.

Não me acostumei com o silêncio. Será que era saudade?

Em um misto de saudade, desconforto e medo de quem pudesse mudar para a casa agora vazia, me mudei.

Fui para uma casa maior, com um quintal grande, e o melhor:

Não fazia parede e meia com nenhuma outra residência.

O silêncio continuava, mas não aquele silêncio. Esse era meu, só meu.

Ai, bebê!

Wenderson Cruz
Enviado por Wenderson Cruz em 07/08/2019
Código do texto: T6714952
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