Amor sólido (ou uma alternativa ao amor líquido, se você conhece Bauman)

35.

Todos os dias, ela abre os olhos e esfrega primeiro o esquerdo do que o direito. Coloca os pés no chão e escova os dentes cantarolando.

Ela veste primeiro a gola da camisa do que as mangas. Quando ela sorri, o lado direito dos lábios se repuxam primeiro, logo em seguida o esquerdo. Ela só levanta a sombrancelha esquerda, a direita ela não consegue. Ela tem um sinal de nascença pequeno no pulso, tem que olhar de perto pra perceber. Ele tem um tom marrom muito claro.

35.

Quando ela fica brava, ela gagueja. Ela gosta de café forte, mas sem muito doce. Mas não sem doce. Ela sempre perde o ponto do arroz e gagueja, ao gritar comigo, enquanto eu rio.

A música preferida dela é Vienna.

Quando ela tinha 7 anos, ela ganhou seu primeiro violão. Pena que ela não gostava muito de violão. Ela prefere piano.

35.

Não há mais nada que eu possa aprender sobre ela e uns amigos dizem que eu deveria estar entediado, afinal não é o inédito que nos atrai?

Confortável é chato.

Mas qual o problema com confortável?

Enquanto ela faz a mesma coisa que ela sempre faz, enquanto ela está deitada no meu peito, mexendo no meu cabelo (ela mexe no meu cabelo quando está com sono), eu não consigo deixar de ficar animado. É como a primeira vez, mas dessa vez é confortável. Eu conheço.

Como cada vez que eu conhecia algo novo sobre ela, eu sorrio. Eu fico mais apaixonado. Eu a amo. Agora ela vai pousar a mão sobre meu peito, ela está adormecendo. Eu sempre sei. É inevitável aos sólidos

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Anos de casados.