HOMO INSENSÍVEL

Como pretenso fotógrafo de fim de semana, bem amador, diga-se de passagem, navego pelas redes sociais e pela web a cata de imagens, em geral fotos de domínio público dos mais variados temas afins a meus interesses tais como paisagens, natureza, arquitetura, fotos artísticas, motos, carros entre outros tópicos de meu agrado. Dia destes, encontrei um site europeu com muitas imagens dos mais variados temas, curiosidades, atualidades etc, comecei a navegar pela página, totalmente absorto pelas mais belas imagens, separadas por links sob títulos afins. Em um destes tópicos, nomeado de "atualidades" onde haviam cerca de trezentas fotos, me detive entre imagens de pássaros, paisagens e para minha surpresa, enquanto navegava, repentinamente me deparei com várias fotos de confrontos, de lugares bombardeados, de pessoas chorando seus entes mortos ou desaparecidos, sem atribuir a localização ou data. Me chocou profundamente a foto de uma mãe carregando seu pequeno filho, uma criança de aparentes dois anos aproximadamente, envolto em panos ensanguentados. E durante cerca de umas vinte imagens, houve uma bizarra sucessão de imagens dolorosas que evidenciavam a selvageria com a qual o ser humano é capas de tratar seus semelhantes.

Inenarrável e inesquecível a dor eternizada nos olhares das mães chorando seus filhos inertes, com suas peles cinzas e os olhos estáticos, sem brilho, diante da lente que captou as cenas.

Cerrei a tela do computador e quedei a pensar em como é possível que alguém tenha coragem de tamanha barbárie, como se permite tais atrocidades em nossos dias, onde a comunicação é quase instantânea e quase não existem fronteiras para que fatos cheguem às pessoas de todo canto deste mundo. Como não há um uníssono de vozes se levantando contra tais agruras!!! Mas não são apenas imagens de guerras distantes que deveriam nos chocar, temos diariamente em nossa volta a presença viva de crianças esfomeadas, sem lar, sem futuro, de adultos tolhidos de esperança e força de vida. Estas imagens estão ao nosso redor, não são imagens de um mundo virtual, mas sim da realidade a nossa frente. Diariamente em jornais, televisão e internet. Vemos fotos de casamentos, de festas ao lado de notícias de desastres e atentados. Há uma banalização tremenda da violência, somos bombardeados diariamente pelos meios de comunicação com notícias de ataques suicidas, de violentos embates dentro e fora de nosso país e em um piscar de olhos já temos outra notícia veiculada sobre uma banalidade qualquer. O tom solene do repórter que narra o homicídio, o feminicídio, o latrocínio, em segundos adquire um tom coloquial ou até festivo de acordo com a próxima notícia, tudo com uma naturalidade absurda.

Esta insensibilidade retratada em telas de televisores, computadores ou smartfones, ao que me parece, tem endurecido nossos corações, as pessoas vêem e compartilham coisas chocantes sem que aparentemente isto as toque em nada. Ao que tudo indica, se a situação, por mais cruel ou revoltante que seja não está ocorrendo conosco ou com nossas famílias ou conhecidos, parece que não nos diz respeito, que somos imunes à estas situações.

Estamos vendo o surgimento de um novo gênero humano, o homo insensível, ser este que não precisa se indignar, que não precisa lutar contra a violência em proteção à vida, um ser que nada sente, nada lhe atinge a menos que a violência ronde o seio de sua família ou a si próprio.

Acredito que devamos tentar reconquistar a capacidade de sentir, de perceber que a paz só existe quando a coletividade é respeitada, quando expressamos compaixão e a quando a qualidade de sentir está ativa dentro de nossos corações, o que só irá ocorrer quando percebermos que a vida é o nosso bem mais precioso, que ela deve ser preservada e respeitada acima de tudo. Devemos nos comover mais com as coisas que nos cercam, refletir sobre os acontecimentos do nosso dia a dia, parar cinco minutos por dia para olhar a nosso redor, nos importar com os outros, para sentir o que nos cerca, não apenas o que há de ruim, mas também as coisas belas como o canto de um pássaro, uma frondosa árvore, o riso das crianças, separar um tempo para agradecer e independente de nossa crença, orar pela vida, pelos que nos cercam, pedir por quem precisa, buscando a tão valiosa paz na terra.

Sensibilidade, a meu ver um dos princípios mais basilares para podermos cobiçar sermos chamados de humanos.

Dante Trindade
Enviado por Dante Trindade em 21/08/2019
Reeditado em 23/08/2019
Código do texto: T6725681
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