Parada

Ônibus lotado, a mente conturbada começa a criar cenários onde o coletivo bate e todo mundo sobrevive, menos ela, seria possível, certo? Os vendedores gritam oferecendo suas mercadorias e ela fecha os olhos, a respiração pesada, não aguentava mais aquele caos externo, colocou os fones.

Aumentar o volume da música não vai te livrar da realidade.

Renato Russo, cantava ao ouvido dela com sua voz grave, sobre tempo e juventude, ela tenta se convencer de que ainda tem muito para viver, muito para aproveitar, embora a sua mente lhe diga o contrário, alguém pede licença e interrompe os pensamentos da moça, ela se aperta num canto, o ônibus acelera, uma mulher quase cai.

Na porta traseira do transporte, alguém grita com o motorista que não parou no lugar certo e ela continua encolhida escutando rock das antigas, queria chorar, mas o calor naquele cubículo ambulante era tão intenso que ela pensava se suas lágrimas não haviam evaporado, uma curva, uma distração, a garrafa dela cai da bolsa, ótimo!

O calor humano estava lhe deixando enjoada, queria muito correr para casa e ficar sozinha, mas nunca estava realmente em paz, sua mente não parava, costumava falar o tempo todo em sua cabeça, como ter sossego?

E foi alí naquele ônibus lotado, escutando rock no último volume, que a moça teve uma epifania, será mesmo que Renato falava a verdade? Achava que havia perdido muito tempo, embora ainda fosse muito jovem, se sentia perdida, mas com uma coisa concordava, quando Renato canta que não tem medo do escuro, mas pede para que deixem as luzes acesas, ele sem dúvida era um dos seus, quando criança, ela tinha medo do escuro, cresceu e continuava de luz acesa para dormir, nunca é demais prevenir.

O ônibus acelerou e ela bateu a cabeça na barra amarela onde se segurava, só aí reparou, onde estava? A sua parada já deveria ter passado, perguntou para um senhor em pé ao seu lado e confirmou o martírio, agora se sentia perdida e, de fato, estava.