AMAZÔNIA II

AMAZÔNIA II

Nelson Marzullo Tangerini

Após duas semanas em Santarém, interior do Pará, conseguimos uma passagem de volta para Manaus num velho avião da FAB.

O avião voava baixo que, da janela, podia ver um imenso tapete verde com rios, aldeias indígenas e estradas abertas, muitas delas abertas pela ditadura militar, como sinal de progresso. Essas estradas rasgavam aldeias indígenas, o que muitas vezes causou revoltas por parte de muitas tribos, pois elas abriram caminhos para madeireiros, garimpo ilegal, bebidas alcoólicas e doenças que dizimaram muitos índios. Muitas índias foram abusadas e muitas lideranças indígenas foram assassinadas por pistoleiros a mando de madeireiros ou garimpeiros.

A ditadura havia prometido indenização para tribos que cedessem terras para construção de estradas. Porém, como não eram indenizados, ou o valor não correspondia, muitos índios tiveram de protestar, fechando estradas e cobrando pedágio.

Se havia o lado belo e ingênuo da Amazônia, havia também a ganância assassina por parte de fazendeiros, madeireiros, mineradoras e garimpeiros, que atuavam impunemente com a ajuda de políticos de extrema direita e militares.

Falar alguma coisa, fazer uma crítica do que estava diante dos meus olhos era algo muito perigoso. Até moradores da região tinham medo de falar. Vez por outra, alguém dizia algo, mas olhando para todos os lados. Militares circulavam por essas cidades fortemente armados, prontos para enfrentar os comunistas. O verde da floresta se misturava ao verde das fardas.

Particularmente, achava a Amazônia um lugar muito perigoso e, volta e meia, batia uma saudade do meu lar doce lar, de voltar aos braços de minha mãe.

De volta a Manaus, onde estávamos hospedados na casa do Dr. Justino Marques da Silva, pude respirar um pouco mais à vontade.

Com as descrições de nossa tia, Elsa, encontramos o casario onde ela nasceu. E ainda me recordo de uma preguiça que habitava a praça em frente.

Noutro dia, fomos assistir, no Tartarugão, a uma partida de futebol entre dois clubes do Campeonato Amazonense de Futebol com um vizinho. Com jogadores muito fracos, o jogo se tornou enfadonho, embora, em algumas vezes, tivesse de rir de jogadas infantis ou medíocres. Voltamos a pé para casa conversando, embora olhasse atentamente as casas e as pessoas que passavam por nós na rua. Na maioria, tinham traços indígenas.

Numa outra oportunidade, meu irmão me levou para conhecer a favela Educandos, a maior de Manaus. Fiquei horrorizado ao ver aquela gente humilde e excluída morando em palafitas. Muitas das casas daquela comunidade eram construído sobre valas a céu aberto ou córregos imundos, que mais adiante se juntava a outro rio que iria desaguar no Rio Amazonas.

Este retrato cinzento da Amazônia ainda permanece em minha memória. o lado do mais belo verde da floresta.

Parti de volta para o Rio, onde faria o 3º ano do antigo Científico, pois era intenção minha cursar a faculdade de Comunicação. Meu irmão ainda ficaria em Manaus por mais um tempo.

Na volta, porém, talvez por causa de minha ansiedade, o avião parecia estar fazendo uma escala mais longa, pousando em aeroportos de Cuiabá, MT, e São Paulo, Capital.

Trazia comigo, na bagagem da minha alma, um pouco de tristeza, por ter visto de perto aquelas imagens fortes e duras, de pessoas excluídas, da impunidade em relação à prostituição infantil e das injustiças sociais, que ficariam guardadas para sempre em minhas lembranças.

Aos leitores interessados, sugiro a leitura do livro Meninas da noite, A prostituição de meninas escravas, de Gilberto Dimenstein, Editora Ática.

Em outra crônica, falarei de minha 2ª viagem à Amazônia, com meu irmão. Desta vez, atravessando os Estados de Minas e Goiás.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 31/08/2019
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