ANÔNIMO

Descobri recentemente que não tem mais jeito. É tarde demais. Não consigo mais viver sem que pelo menos uma ou duas ou três vezes eu me entregue ao mesmo hábito.

No início foi apenas por causa dos entusiasmos da adolescência. Depois em datas especiais, aniversários ou alguma comemoração qualquer. Bastava uma desculpa e lá estava eu, entregue, rindo, me sentindo bem fazendo o que eu fazia.

Sinto que o meu sangue não é mais o mesmo por conta disso. Sinto que meus olhos também foram afetados. Os meus pés não seguem os mesmos caminhos e seja em locais públicos, nas calçadas, no ônibus ou na estrada, todos sabem o que estou fazendo.

Se amo, tudo piora. Se deixo de amar, potencializa. Se estou feliz ou se estou triste, tudo serve de desculpa. Afundo. Me afogo.

Outro dia me levaram a um grupo onde se encontravam pessoas como eu. Todo mundo falou. Todos aplaudiam no final. Nem ali eu deixava de me entregar ao hábito que me preocupava não poder mais parar.

Chegou a minha vez. Dou o último tapinha. O microfone dá um zumbido estridente e então para. Abro meu caderninho e digo meu poema, os versos aos quais me entrego, as letras que me seduziram. Todos aplaudem. Posso até ser anônimo, mas não escondo de ninguém que não posso mais deixar de ser poeta.