Uma Prosa Com o Mar

Que privilégio é acordar como o dueto do vento com as folhas dos coqueiros logo ali, de frente à minha janela. O mar, mais adiante, também contribui para o meu despertar com o vai e vem das ondas. Shuááááá...

Aqui, acordar com o sol é uma rotina. Cinco e meia da manhã ele me desperta com um belo raio de bom dia que entra pela fresta da cortina.

Esse cantinho do Planeta se tornou um lugar especial. Onde estou? Numa praia, bem onde o mar é poeta.

Num desses belos dias vividos aqui, pulei da cama às seis da matina e fui fazer minha corrida. A maré estava baixa e as piscinas naturais cintilavam no horizonte com diversos tons de verde. Descalça, dispus-me a caminhar pelas leves ondas que quebravam aos meus pés. De repente, com uma voz suave e firme, ele falou:

- Bom dia, senhora Ana. Sempre por aqui a essa hora. Vai caminhar ou correr hoje?

Eu olhei para os lados para ver quem falava comigo. Não encontrando ninguém, parei e tirei os fones de ouvido para ter certeza de que ouvi algo. Fiquei assim por uns segundos, parada, olhando à minha volta. Confesso que fiquei assustada. Retomei minha passada já pronta para iniciar minha corrida quando ele me falou de novo.

- Senhora Ana, sou eu quem lhe falo, o Mar.

Mais que depressa tirei novamente os fones de ouvido, parei e com um passo para trás gritei:

- Quem está aí?

- Como quem? Eu, o Mar, seu companheiro de todas as manhãs de corridas. Não se assuste, mas há dias que quero lhe falar.

- Mar? Como o Mar? – Olhando para todos os lados para ter certeza de que estava realmente sozinha, me preparei para sair dali o mais rápido possível.

- Não se vá. Não tenhas medo. – Ele disse.

Olhei para as ondas que beijavam meus pés suavemente e arrisquei um diálogo.

- Estás falando comigo, senhor Mar? O que me faz merecedora de tamanha honra?

- Sua gentileza comigo te faz merecedora.

- Minha gentiliza, poderias ser mais específico? - Indaguei.

- Claro. – Respondeu-me o Mar. - Sempre que caminhas por mim vejo que a senhora recolhe o lixo que eu coloco para fora, isso me agrada. Não aguento mais tanto lixo! Estão me sufocando.

- Ah, o lixo. – Respondi pausadamente, tentando encontrar as palavras certas. - Realmente, o lixo é algo terrível, o plástico principalmente. Não sei onde vamos parar com tanta irresponsabilidade do ser humano. Peço desculpas por nós.

Já mais tranquila e realmente acreditando que estava falando com o todo poderoso Oceano Atlântico, me sentei nas suas areias brancas e finas e continuei com nossa prosa.

- O senhor fala com todos que por aqui passam e catam o lixo?

- Não, falo só com os escolhidos e antes que me perguntes por que a escolhi para essa palra, já te respondo, pois além de seres cuidadosa comigo, és bela.

- Bela eu? Então se eu fosse feia não falarias comigo? Belo galanteador estás me saindo.

- Provavelmente não. - Respondeu o Oceano, que descobri um sedutor também com as palavras. - Como disse o poeta, “que me desculpem as feias, mas beleza é fundamental”.

- E o senhor conhece Vinícius como?

- Eu inspiro muitos poetas, escritores, cientistas, compositores, e com Vinícius de Moraes eu fui além. Conheces esses versos? - E o Mar começou a citar o poeta Vinícius. - “Dá ao meu verso, mar, a ligeireza, a graça de teu ritmo renovado.”, “Eu sou, mar, tu bens sabe, teu discípulo. Que nunca digas, mar, que não foste meu mestre.”, “Sento-me, mar, a ouvir-te. Te sentarias tu, mar, para escutar-me?”.

Fiquei ali, em silencio, com o acompanhamento melodioso do vento, a ouvir os “Versos soltos no Mar”, declamados nada mais nada menos do que pelo grande senhor Mar.

- “Aqui jaz o mar. Nem ele mesmo soube jamais o número de ondas que desfez o seu sonho”. - Eu o interrompi com um trecho do verso. Essa é minha estrofe favorita. - Eu disse.

Absorvendo cada palavra que o Mar me dizia, fiquei ali com ele. Não sei exatamente quanto tempo se passou, mas foi surpreendente. Falamos sobre o céu, a lua, o sol, sobre mim e sobre ele.

- Já engoli muitos barcos, navios, até transatlânticos. Não sinto prazer nisso, mas me parece que sua espécie sente prazer em testar bombas em minhas águas. - Disse o Mar desgostoso com o rumo que tomava nossa conversa. Falávamos sobre a fúria das marés que vez por outra assolava embarcações e até mesmo terras firmes.

- É, o homem não tem limites mesmo, principalmente em se tratando de material bélico.

Nossa prosa foi da poesia para a destruição dos mares por armas nucleares em teste, tsunamis provocados por terremotos, aquecimento global, o que o senhor Mar achou uma grande lorota, e lixo, muito lixo jogado nos mares.

Me chamou a atenção o fato dele achar uma “grande lorota” o assunto sobre aquecimento global, e perguntei:

- O senhor não concorda com tudo o que falam sobre o aquecimento do globo, dos mares?

- Aquecimento ou resfriamento, um ou outro são efeitos climáticos e não tem nada a ver com o lixo, com a poluição em geral. A temperatura da Terra sempre passou por ciclos de resfriamento e aquecimento não causados pelo CO2, nem pela ação de vocês, humanos. É tudo um conchavo entre os grandes e poderosos para vender produtos, manter patentes que interferirão no consumo e no modo de produção. Lembre-se, essa promoção toda da mídia, sobre o fim do mundo é, no mínimo, questionável. Investigue! - Palavras do Mar.

- Mas toda essa poluição, esse lixo que o senhor tanto se queixa nas suas águas, não está destruindo, influenciando o andar da carruagem do nosso Planeta? - Perguntei.

-Não. Com relação ao aquecimento é falácia, mas a poluição, essa sim, tem que ser controlada.

O senhor Mar começou a ficar irritadiço com o assunto, as lembranças ruins e pediu-me que mudássemos o rumo da conversa.

Foi aí que resolvi contar-lhe sobre minha veia poética e frases, muitas frases que nós, humanos, usávamos para exaltá-lo, um pouco como os “Versos” de Vinícius. E comecei...

- “Um A no início e o mar fica infinito”

- “Felicidade é um fim de tarde olhando o mar.”

- “O fato de o mar estar calmo na superfície não significa que algo não esteja acontecendo nas profundezas...”

- “Minha essência é mudar; não me basta ser rio, se eu posso ser mar.”

E para terminar, concluí com “A cura para tudo é sempre água salgada: o suor, as lágrimas ou o mar.”

O senhor Mar, em júbilo com todo o meu amor por ele expresso em frases soltas, me beijou o corpo com uma onda forte que me molhou toda. Protestei, mas já toda molhada, resolvi entrar em suas águas e beijar-lhe a face branca das ondas.

Um longo tempo se passou enquanto tagarelávamos. Era hora de eu voltar para casa sem minha corrida matinal, mas mais apaixonada do que nunca por ele, o senhor Mar.

Despedi-me com um aceno e perguntei-lhe:

- Falarás comigo amanhã quando por aqui eu passar?

- Obviamente que sim. Lembre-se que você foi escolhida. Falarei com você sempre. Até breve.

- Até breve, meu poeta.

E saí a caminhar de volta para casa, pronta para acordar de um lindo sonho com o mar.