Nelson molhado e empanado, vai?

Se eu posso falar de umas das principais vantagens de morar em Fortaleza, a campeã seria termos orla de ponta a ponta na cidade. Foi em um domingo ensolarado (que bordãozinho mais clichê, mas o sol estava a pico mesmo e os ventos então...Nossa! Perfeito para prática de kite surfing), que fui acompanhar meu primo, sua esposa e sua sogra à praia do Cumbuco, no litoral oeste. Como estou no início das aulas de kite, ainda conhecendo manobras básicas e nada pronta pra colocar a cinta de conexão à pipa, o chamado trapézio, resolvi não me meter à aluna aplicada dessa vez, já que a ventania não estava pra amadores.

Levei algo pra ler. Brasileiro não tem esse hábito, mas virou “modinha” se ater a um livro na praia por conta dos turistas europeus fazerem isso com frequência. Quis impactar no pedantismo da leitura, levei meu Obvio Ululante de Nelson Rodrigues. “Quem abriria a sofisticada e sarcástica obra de um gênio da crônica pra ler à beira-mar?” – pensei. Não passou nem dez minutos de uma luta silenciosa entre mim e as rajadas de vento que teimavam em pular minhas sofridas folhas, sinto respingos inesperados “dançando” com a brisa. “Ai, meu Nelson... Poxa! Molhou!” – pensei, chateada e na minha, enquanto passava a toalha de praia em cima da frase “Ah! Nelson, acabei de rezar por você” – de um tal de Dr. Alceu, conhecido do mesmo. Mas, não acabou por aí. Já estava no final da crônica quando Nelson pediu – “Dr. Alceu, reze menos por mim” e “chuá!” – lá vai água e areia. Nesse caso, reza nenhuma ia dar jeito no que eu estava pretendo fazer. Fechei minhas confissões rodrigueanas e fui pro mar acalmar a mente. – É “ululante” que a praia não estava para leitura – pensei conformada.

Retornei do banho. Dei de cara com o livro, tranquilo na mesinha da barraca curtindo o sol e abanando suas folhas ao vento. Ainda molhado e empanado, mas parecia não se importar. Parece que tem dias que até estes seres inanimados se dão ao luxo de dizer não à sua própria serventia, ao motivo pelo qual foram criados. Depois dei por mim que ele me pertencia e, como a sua dona, ele deve ser dado à liberdade de ser para além dele mesmo, sem rótulos e adequações.

Quando ele quiser o lerei novamente... quando, como e onde ele quiser, claro!

09 de setembro de 2019.

Andréa Agnus
Enviado por Andréa Agnus em 09/09/2019
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