Como diria Jack, O Estripador

Acordou naquele dia, como dizem, mais pra lá do que pra cá. Na noite passada houvera mais uma daquelas brigas na rua. Pela janela do seu quarto podia ver as andorinhas voejando em volta dos cabos de energia e a poeira da rua subindo em redemoinhos em direção a casa do casal de João-de-Barro no alto do poste. Avenida Antônio Carlos Souza, informava a placa no mesmo poste onde refletiam alguns raios de sol. “Eu vou matar meu pai e minha mãe”, lembrou de repente, o que gritava o filho da vizinha em meio a toda confusão da briga.

Havia sonhado com algumas coisas esquisitas que naquele momento não lembrava muito bem. Uma sensação estranha fazia seu coração bater mais devagar. A Janaína sumira de vez. A Madilene havia morrido a uma semana. Sua irmã ainda estava desempregada e o dente ameaçara doer mais uma vez. Sempre que acontecia de seu dente doer, ele lembrava do O Cobrador, do Rubem Fonseca. Ele sabia que mais cedo ou mais tarde arranjaria algum jeito para ir ao dentista, e o dentista certamente lhe olharia com aquela cara de, “como foi que você deixou isso acontecer”. “Só rindo. Esses caras são engraçados, não é mesmo, Rubem?”, diria de si para si em pensamento, olhando para a cara do sujeito, e quase que não enxergando, cego de raiva que ficaria. O que saberia o sujeito sobre sua vida?

De súbito, lembrou de Luís Capucho. Continuava gostando do Luís Capucho. Persistia uma certa emoção nele, sempre que ouvia o álbum Poema Maldito, por alguma razão que não sabia explicar muito bem, também. Na verdade, tudo se apresentava desta maneira, entre algo que, se espremesse, daria para lembrar, daria para explicar, mas havia uma certa preguiça ou qualquer outro tipo de sentimento, que o fazia deixar tudo quieto como estava.

Ainda deitado na cama, pegou o Tablete, aquele mesmo Tablete, o do rolo com o Menino da Cara Feia. “E lá se foram quase três anos desde então”, pensou. Leu no aparelho um poema sobre “as pessoas continuarem usando e descartando umas as outras” e achou que era sensato quem escreveu achar aquilo, mas que nem sempre os motivos e as intenções das pessoas eram perniciosas, e que, por ser uma troca em alguns casos, então, de certa forma, estava tudo bem, mesmo não estando.

Saltou da cama. Então era isso, mais um dia. Como diria Jack, O Estripador, o jeito era ter calma, ir por partes. Que tal, antes de mais nada, um chá?

Tiago Torress
Enviado por Tiago Torress em 26/09/2019
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