O paiol

Edson Gonçalves Ferreira

Sônia, a lua brilha no céu do Brasil e, então, penso que, no Japão onde você se encontra, o Sol deve brilhar, agora. Astros diversos e sentimentos despertos e, quem sabe, iguais ao que um poeta escreveu, dizendo que o mesmo céu que nos enleva, é o mesmo que nos abate de paixões. E, hoje, amiga, sob a lua, relembro...

Eu não tinha nem quinze anos e um amigo do meu pai, artista plástico, não sei qual deles e, portanto, não vou citar nomes, levou-me com ele numa viagem para uma fazenda, distante da minha cidade. A fazenda era linda, enorme, com um casarão fantástico que tinha uma copa descomunal onde o artista iria pintar a Santa Ceia.

A memória poética é forte, mas a memória real foge mesmo, amiga. Não me lembro onde fica a fazenda. Lembro-me de que ele fora convidado para fazer a célebre pintura e, então, resolveu que precisava de um ajudante. Meu pai que, além de marceneiro, artesão, era músico e tinha alma de artista, sabendo que era apaixonado por Arte, deixou que fosse auxiliar do pintor.

Recordo apenas que eu era um menino magrinho que já escrevia poesia e sonhava em ser monge e poeta. Quando havia saraus na casa dos meus pais, todos os artistas que a freqüentavam, tinham um xodó especial por mim. Eu admirava esse artista de cujo nome não me lembro, porque eu era novo, muito novo e tinha a cabeça nas nuvens. Eu o admirava e ele também me respeitava. Ele na maturidade e eu na puberdade, com tamanha pureza que gostaria ainda de possuir.

À noite, o artista dormia na casa grande e eu, não sei bem por que, fiquei dormindo numa cama improvisada no paiol. A lua, como hoje, lambia o céu. Talvez fosse como se a dama de um bordel pedisse a cada estrela fria um brilho de aluguel. Toda manhã era uma aventura deliciosa. Segurar o material para ele criar. Meus olhos eram dois diamantes diante da beleza que ia aparecendo. Foram dias felizes, muito felizes, mas...

Uma noite, enquanto eu estava deitado na cama, dentro do paiol, olhando pelos janelões a lua alta e linda no céu, adormeci e, de repente, fui acordado por um punhado de porcos que invadiram o paiol. Eles foram atraídos pelo cheiro de alimentos que ficavam armazenados ali. Alguns cercavam a minha cama e, como qualquer menino, eu gritava. Na mesma hora, todo mundo da casa grande veio correndo.

Nunca, nunca mais tive notícias desse artista misterioso. Meu pai faleceu e fiquei sem saber com quem fiz essa viagem tão poética e inusitada. Se alguém, porventura, um dia ler essa crônica e se eu ainda estiver vivo, se souber quem é o artista plástico que me encantou com sua pintura, conte-me. Sim, conte para o menino que, ainda, não morreu dentro da minha alma. Estou esperando antes que a lua cheia vá embora dos meus sonhos e o lirismo todo acabe.

Divinópolis, 30.09.07

edson gonçalves ferreira
Enviado por edson gonçalves ferreira em 01/10/2007
Código do texto: T675459
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