Mulher de máscaras

Nara e Mary já eram amigas por mais de 10 anos. Eram do tipo amigas irmãs. Tudo faziam juntas. Em amizades deste tipo é muito comum não haver segredos. Não seria diferente com elas. Exceto em um determinado assunto.

Há muito tempo, Nara notava que Mary – como Mariana gostava de ser tratada – era uma moça muita vaidosa. Não havia nada de errado nisso. Contudo, algo excedia à normalidade em sua vaidade. Além das maquiagens e perfumes comuns às moças de sua faixa etária, Mary colecionava vários tipos de máscaras que utilizava frequentemente. O que intrigava Nara era a questão que Mary não tinha tantas condições financeiras para adquiri-las, mas fazia o que podia e o que não podia para continuar usando os adereços. Era normal ela trocar de máscara mais de uma vez por dia.

A amiga, preocupada, decidiu, então, descobrir o por quê Mary era dependete do uso destas máscaras.

Nara e Mariana se conheceram no ensino médio. Foi através de um amigo em comum. Os assuntos se casaram e elas perceberam que seriam amigas a partir de então.

Nara sempre teve personalidade forte. Era difícil de se abalar com coisas pequenas. Já Mariana era mais sensível e propensa a ser melancólica. Nara era mais reservada e Mariana tida a querer agradar a todos ao mesmo tempo. Essas diferenças de personalidades seriam o elo de ligação que manteria a amizade de pé. Uma complementava a outra.

Ainda preocupada com a amiga, Nara decidiu investigar a situação do uso das máscaras na casa de Mary. Então, em um certo dia, estando as duas no quarto da moça vaidosa e, aproveitando o momento em que a mãe de Mary havia solicitado algo a filha, Nara resolveu vasculhar nas gavetas da amiga buscando pistas para a solução do enigma.

Em uma gaveta ela achou uma carta em que Mary declarava amar personagens manipuladores que usavam disso para conquistar a confiança das pessoas e então tirar algum proveito. Logo, Nara começou a pensar que as máscaras eram uma estratégia para Mary agir dessa forma. "Será que essa é a razão para Mariana usar máscaras? Ela é dissimulada e manipuladora?", pensou Nara ainda mais confusa.

Para Nara era difícil acreditar que sua amiga era, na realidade, alguém manipuladora e que usava de máscaras apenas para ludibriar a todos que estavam a seu redor. Aquela carta abalou a visão que ela tinha de Mariana. Contudo, ela não estava satisfeita com esta resposta. Para ela, como psicóloga de profissão, havia algo ainda mais profundo no comportamento de sua companheira de longas datas. Era a hora de buscar fontes mais fidedignas para coletar informações: a mãe de Mary, dona Morgana.

Morgana não era lá o tipo de mãe ideal. Passava longe disso. Era como se não tivesse filha. Mas, mesmo assim, Nara quis consultá-la.

— Oi, Dona Morgana! Como está? – perguntou Nara à mãe da amiga em uma visita que fez.

— Vou bem, Talia. – Era o segundo nome de Nara.

— Podemos conversar um instante? – Nara perguntou à senhora.

– Sobre o que? Você é amiga da minha filha. Não minha. – Respondeu Morgana ao estilo áspero que ela tinha que contrastava com o estilo doce da filha.

– Serei breve. Não quero incomodar. – Falou apressadamente Nara sabendo do temperamento da mulher. – A senhora já percebeu que a Mary usa máscaras todos os dias? Você acha isso normal? Sei que ela é muito vaidosa, mas isso não é algo comum. Quando ela começou com isso?

— Essa menina é meio louca! Sempre foi desde criança. Às vezes acho que nem minha filha é. Mas eu não sabia dessas máscaras. Se ela usa, usa fora de casa. Eu e Mariana não conversamos muito. Trabalho o dia todo. Não tenho como saber. Se era só isso... Agora tenho muita coisa para fazer, Talia. Acho que já ajudei você o bastante.

Nara entendeu que dali não conseguiria nada de concreto. Mas entendeu que Mariana tinha uma mãe distante e que não tivera atenção necessária quando criança e adolescente da parte da mãe. Pai ela não tinha desde o nascimento. Morreu precocemente em um acidente de trabalho. Cresceu uma criança sem a atenção apropriada. Talvez sem amor. E Falta de amor mata o futuro de qualquer pessoa.

Talvez ela não tivesse conseguido algo de concreto de Morgana, mas conseguiu encontrar uma indicação de uma possível solução para suas perguntas.

O sonho de Mariana era ser uma grande atriz. Ela achou na arte um meio de romper com sua timidez. Era onde ela fugiu dos seus monstros interiores. Era onde ela podia ser quem ela não era. Entregando, apesar do talento natural que possuia, não tinha formação na área e muito menos oportunidades para entrar no mundo das artes cênicas. Já tinha participado de alguns atos cênicos quando era ainda estudante do ensino médio. Nunca passou disso. Então, enfrentando sua personalidade introspectiva, ela decidiu escrever uma carta se apresentando e relatando seus dons como atriz amadora para uma companhia de atores que viu no jornal:

Fortaleza, 2 de fevereiro de 2010.

Caríssimos,

Sou Mariana Carla de Almeida. Amo arte. Atuar é minha paixão favorita. Eu posso ser muitas pessoas ao mesmo tempo. Como sou tímida, amo e busco inspiração em personagens manipuladores que conseguem ludibriar as pessoas ao seu redor. Fico encantada com a maneira que eles agem e conseguem tudo que querem. Isso me encanta! Gostaria de ter uma oportunidade com vocês para iniciar minha carreirade de atriz.

Atenciosamente,

Mariana De Almeida

Esta foi a carta que Nara encontrou na gaveta do quarto de sua amiga e que causou confusão na sua cabeça. Mariana não teve coragem de enviar a carta à Companhia de atores. Preferiu esconder seus talentos com receio da opinião alheia. Mais uma vez ela estava deixando de ser ela mesma. Mais uma vez sendo convencida pela voz do medo e do julgamento alheio. Nara, sem perceber, mal interpretou as palavras de sua amiga.

Nara ainda se encontrava confusa na tentativa de descobrir o por quê do uso das máscaras pela sua amiga. Ela bem sabia do amor de Mariana pelo teatro, mas ainda não havia calado no seu coração essa resposta tão óbvio. Como psicóloga, ela sabia que, por detrás da máscara, havia algo de misterioso que talvez nem mesmo a própria Mariana teria percebido. Não era apenas uma visão profissional de alguém que cuida de mentes e almas, mas de uma amiga. Isso é um fato que ninguém é capaz de discordar: amigos tem o dom de ver além de um simples olhar. Eles conseguem penetrar a alma dos seus companheiros e descobrir, através de um olhar cabisbaixo ou um sorriso amarelo, que lá há necessidade de ajuda.

A psicóloga iniciou, então, a observar o comportamento da amiga quando estava na sua rotina normal. Como ela ficou surpresa com o que veio a descobrir. Essas observações foram cruciais para ela desvendar o segredo das máscaras.

Nara Talia começou a perceber que Mariana era, ao mesmo tempo, várias pessoas em uma só. Com algumas pessoas, ela era feliz, sorridente, livre. Já com outras, ela era fechada, séria, carrancuda. Ela agia como se estivesse presa às correntes de certas companhias. Era como se ela vivesse atada não ao seu próprio eu, mas aos "eus" daqueles que estavam ao seu redor. A questão que Nara queria saber era se  Mary percebia tudo isso e se as máscaras tinham alguma relação com essa mudanças de personalidade.

Nara começou a entender que Mary não era apenas uma boa atriz, mas também alguém que estava apresentando sinais claros de uma infância desolada. De um lado, faltava o pai que falecera. Do outro, o falecimento de uma mãe que continuava viva. Contudo, Nara já se aproximava de uma conclusão final e, enfim, ajudar sua grande amiga de infância.

Após sondar e analisar o comportamento de Mariana por um determinado período de tempo, a psicóloga concluiu que ela era mais do que uma atriz. Na realidade, ela encarnava as personalidades daqueles com os quais ela se relacionava. Maldade? Esperteza? Não. A pobre moça apenas tinha uma personalidade muito fraca e incapaz de se impor da forma necessária.

Nara entendeu que ela precisava ser não apenas uma simples amiga. Ela precisaria ser uma presença maternal que cuida e orienta. Amigos tem disso. Eles, por muitas vezes, são os pais, as mães, os irmãos... a família que talvez não tivemos. Mariana precisava de Nara como psicóloga e também como amiga.

Dra. Nara já estava acostumada a ajudar a retirar muitas máscaras de muitas pessoas em seu consultório. Mariana seria apenas mais um caso. Aos poucos, sem Mariana perceber, a psicoterapeuta foi convencendo-a a arrancar as máscaras usadas no dia a dia. Muito doeu abandonar as personagens de tristeza, medo, covardia, insegurança, dependência... Eram muitas máscaras que ela usava para evitar se olhar no espelho e ver quem realmente ela era. Era muito mais cômodo viver os papéis que os outros delegavam a ela do que escrever seu próprio roteiro. Para a jovem atriz, tornava-se muito confortável viver na sombra das árvores dos outros e nunca plantar sua própria floresta.

É fato que Mariana não era a primeira e não seria a última a ser coadjuvante de sua própria vida. Há muita gente desse tipo que vai vivendo como se a vida fosse apenas uma nota de rodapé chata e sem sentido no fim das páginas do livro dos outros. É apenas alguém que ninguém nunca lê ou dá a devida atenção, pois ela mesma não se faz necessária. 

No fim do processo de retirada e destruição das máscaras, a moça conseguiu ver como foi ruim toda essa parte da sua vida em que viveu aquilo que os outros queriam que ela vivesse e não aquilo que ela achava que era melhor para ela mesma. Viver de máscaras não traz felicidade a ninguém.

Feliz foi Mariana que teve uma Nara para ajudá-la a retirar as máscaras que ela usava. O problema acontece quando se gosta de usar máscaras. Um dia elas podem vir a cair, revelando toda a sua verdade por detrás delas que você tanto emprenho faz de esconder.

Ricardo Marques - @ricardomarques.escritor

Ricardo R Marques
Enviado por Ricardo R Marques em 26/09/2019
Reeditado em 26/09/2019
Código do texto: T6754644
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