O abraço não dado no menino que me pediu um suco na Estação Luz

“Moço, me paga um suco?”. Foi isso que ouvi logo que parei em uma pequena lanchonete da Estação Luz, onde fui comprar uma porção de pão de queijo e um café com leite. A voz firme me pegou de surpresa. Fiquei alguns segundos processando a origem do pedido para, enfim, responder: “Tá bom!”. Negro, com as mãos e os pés sujos, usando chinelo de dedo, uma calça jeans rasgada e um casaco encardido, por volta das 22h30 de uma sexta-feira (27/09) em que os termômetros marcavam 15ºC, aquele pequeno de aproximadamente 13 anos é mais um dos milhões de brasileiros cujos sonhos são roubados todos os dias pela injustiça social.

Imediatamente, lembranças de uma infância marcada pela extrema pobreza, fome e violência vieram à tona. Não é a primeira vez que me emociono com a realidade de crianças nas ruas. Há alguns meses, em Teresina, escrevi uma crônica sobre primos circenses que saíam do Maranhão para trabalharem no asfalto escaldante da capital piauiense. Hoje, aqui em São Paulo, percebo a mesma desigualdade, que afeta os mesmos agentes: infanto-juvenis, negros, periféricos, sem ou com quase nenhuma escolaridade.

Sem tanta cerimônia, perguntei o endereço do menino. Em resposta, Guarulhos, cidade da Região Metropolitana de São Paulo, distante 18 km do Centro da capital paulista. Questionei o motivo de ele não estar em casa. “Porque eu tenho que conseguir dinheiro”. Continuei a indagar: você trabalha com o quê? Não entendi bem o que ele disse, pois ouvi algo do tipo: “prateado” (é uma gíria paulista?). Como? Insisti. “Eu peço dinheiro no metrô”. Não fiquei surpreso com isso. É uma situação óbvia, até porque ele me pediu comida.

Como jornalista que sou, prossigo com aquilo que posso chamar de entrevista. Na pergunta seguinte, quis saber se ele estudava. Eu já pressentia a resposta, mas queria muito que a minha previsão fosse incorreta. Eis que, sem consciência da importância de uma sala de aula, um seco “não” foi dito. Eu já deveria estar neutralizado. Afinal de contas, o Brasil não teria classes sociais se não fossem os miseráveis deste país de desigualdades. Mas não consigo me anestesiar.

Toda vez que a ficha cai sobre uma sociedade que prefere exigir de crianças negras e periféricas uma subatividade remunerada para que possam sustentar o barraco onde moram em vez de contribuir para que esses perfis tenham acesso a livros, eu me afogo em lágrimas por não poder agir de forma efetiva contra essa realidade. O menino que me pediu o suco na Estação Luz se soma aos 1,9 milhão de crianças e adolescentes brasileiros, entre quatro e 17 anos, fora da sala de aula – dados de 2018 do Inep. Eles seguem invisíveis ao Estado, à “civilização” e, inclusive, à própria mídia, a qual eu faço mea-culpa.

Assim como eu, espero que o menino que conheci hoje também seja salvo pela educação. Venho de ligações familiares, provavelmente, semelhantes às dele. No meu caso, pai biológico desconhecido, mãe com escolaridade quase zero e vítima constante de violência doméstica, irmão assassinado pelo tráfico, entre outros parentes envolvidos nas mais diversas contravenções penais. Ah, pequeno! Queria depositar um pouco de confiança em ti, bem como fizeram comigo quando eu tinha a tua idade. Desejo muito que o que nos impõem como regra agora nem chegue a ser exceção num futuro, infelizmente, ainda distante.

Queria muito te dar um abraço, mas você sumiu logo que eu comprei o que me pediu.