Destino

Outro dia, por acaso, encontrei um ex-colega de turma no Facebok. Resolvi dar uma espiada nas fotos, conferir como estava aquela pessoa que não via desde muito tempo. Nas fotos, percebi que o tal colega, que fizemos juntos o pré-escolar e os primeiros anos do ensino fundamental, havia feito umas viagens legais por países diferentes do mundo. Não pude precisar se foi antes ou depois de se formar numa federal de respeito.

Li novamente o nome do colega, e me lembrei os motivos que o levaram a mudar de cidade para estudar, isso após o primeiro ano do ensino fundamental.

Movido pela curiosidade, fui me lembrando de nomes que estudaram comigo e que trilharam caminhos diferentes dos meus. Cenários bem parecidos com o primeiro, são os que compõem os perfis de meus antigos colegas de fundamental, filhos de “boas” famílias da minha cidade.

Dos que foram comigo até o terceiro ano médio, destaco uns poucos que conseguiram entrar nesse cenário burguês dos cursos “de elite” de universidades federais. Os outros, com investimentos dos pais classe média, cursaram universidades particulares pelas proximidades da cidade. Sem eurotrip, sem calourada de federal e com uma dívida de Fies após a formatura.

Esse texto é pra lembrar como a má distribuição de renda é um problema em nossa sociedade. Minha geração é a primeira a ter acesso menos dificultado a universidade e, ainda assim, os que conseguem romper a barreira que separa os de cá dos de lá não são maioria.

Não é demérito ser aluno de escola particular, não ter que trabalhar e estudar, ter cursinho pré-vestibular da Bernoulli pago pelos pais e ganhar carro depois da formatura na federal. Mas é doloroso entrar numa sala de aula às sete horas da manhã de uma segunda-feira e se deparar com a realidade brutal que nos separa e classifica.

Começo o ano letivo com uma atividade simples de História, para trabalhar memória. Meus alunos do sexto ano escolhem um episódio da vida que julgam importante e contam. Auxiliando na execução da atividade, um aluno me conta empolgado que foi ver um filme no cinema pela primeira vez, em uma viagem que fez nas férias. Ele escolheu contar esse episódio.

Meu aluno não se lembrava do nome do filme que viu. Não é por ter visto muitos filmes e não conseguir guardá-los na memória. Chegou ao sexto ano com extrema dificuldade de leitura e escrita. Trabalha para ajudar a mãe e tem mais irmãos na mesma situação.

Meu aluno provavelmente não terá cursinho da Bernoulli. Provavelmente não vai ter eurotrip depois da faculdade e nem mesmo vai ganhar um carro. A minha esperança é que ele vença, conseguindo se formar na educação básica e que possa ver muitos filmes no cinema, esquecendo seus nomes, já que serão muitos.

Eu espero que ele curse uma faculdade, seja um bom profissional na área que escolher, que vença essa brutal desigualdade que age sobre nós como moiras, decidindo quem seremos e como vamos viver. Eu quero que os futuros sejam apenas fruto de nossas escolhas. E que sobrenomes sejam apenas sobrenomes.

Gilberto Junior
Enviado por Gilberto Junior em 29/09/2019
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