Surpresa no quotidiano

Andamos pela vida sem nos darmos conta das tantas coisas que deixamos de fazer e que verdadeiramente poderiam ser feitas, das mais simples às mais complicadas e aqui, sem medo de errar, posso citar tantos exemplos que com certeza não teria espaço suficiente para registrá-los: – ajudar uma pessoa idosa a atravessar a rua, acompanhar a vítima de um atropelamento ao hospital e outras coisas mais. Talvez isso se deva à correria em que estamos metidos nessa cidade grande. Quem sabe?
Mesmo assim, hoje acredito que bastaria um pouco de iniciativa e boa vontade de nossa parte para estarmos suprindo essa falha.
O que presenciei dias atrás serve perfeitamente como parâmetro para reavaliarmos nossa conduta.
Estávamos eu e minha mulher, parados confortavelmente dentro do nosso carro aguardando o sinal que fica no cruzamento da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a rua Constante Ramos abrir, para que pudéssemos seguir nosso trajeto.
Íamos a uma pizzaria na Siqueira Campos.
Nesse curto espaço de tempo pudemos compartilhar do mesmo ato apresentado no palco da vida. O movimento de pessoas naquele horário era intenso na calçada; tanto num sentido como no outro. Avistamos um mendigo sentado ao chão bem próximo ao canto que o recuo da parede fazia. Para complicar sua vida ainda mais, ele também era deficiente visual. Qual não foi a nossa surpresa quando avistamos um outro mendigo, no meio de tudo aquilo, andando no sentido contrário ao que seguíamos – aliás, diga-se de passagem, bem mais esfarrapado do que aquele que estava ali jogado ao solo. Este, diferente da maioria dos transeuntes, reparou que o colega ali presente era possuidor de uma necessidade bem maior que a sua; – era cego. Parou, retirou do bolso uma nota de dez cruzados, e tocando-lhe no ombro como que a avisá-lo, colocou aquela importância no chapéu jogado ao lado, que nada continha.
Eu e minha mulher nos olhamos imediatamente. Não falamos nada, mas acabávamos de constatar ao vivo e a cores, quantas pessoas passavam por ali e não davam a mínima importância àquele pobre coitado. Sem contar os que se quer o viram ali jogado.
O gesto despretensioso daquele homem cujo recurso é nenhum obriga-nos a pensar o quanto que ainda somos egoístas e insensíveis com o que acontece a nossa volta.
Cabe agora uma pergunta inquietante:
Conseguiremos reverter tal situação? Ou continuaremos a viver como se nada daquilo existisse.

22/09/1988
Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 29/09/2019
Reeditado em 29/09/2019
Código do texto: T6756772
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