ERA UMA VEZ...

Era uma vez uma menina que vivia cercada de sonhos dos mais variados tipos.

Uma menina comum, que trancada dentro de seu mundinho particular sem poder ter amigos em seu cotidiano, nada fazia além de brincar sozinha e estudar, se alimentando de coloridos sonhos de um ideal de vida pra si mesma.

Sonhava em correr o mundo, visitar países da Europa Antiga, África, Ásia e Oriente Médio, conhecendo seus países, seus povos, suas cidades, seus monumentos, de tanto gostar de ler suas lendárias histórias e colecionar imagens através de panfletos de agências de turismo.

Sua vontade de adquirir conhecimentos para poder viajar por esses países era tanta, que visitava constantemente embaixadas, além de participar de intercâmbios culturais, coletando nomes de pessoas jovens como ela, que quisessem se corresponder, e assim, trocar informações, fotos, postais.

Tinha amigos espalhados pelo mundo. Eram cartas trocadas, indo e vindo, quase que diárias, escritas em sua maioria pelo seu desejo do saber e intensa força de vontade, num escasso inglês colegial que era elaborado com a ajuda do dicionário de inglês do MEC, que não saia do seu lado.

Sem contar seus livros (amigos valiosos), em sua maioria presenteados, de histórias de todos os tipos. Sua coleção preciosa do Tesouro da Juventude (que hoje não mais existe), que foi a maior fonte enriquecedora de seus sonhos. Assuntos como fábulas da mitologia, era medieval, as cruzadas, império otomano, história das civilizações entre outros, eram os seus preferidos.

Pelas inúmeras histórias lidas fez seu próprio trajeto de viagem. Na Europa visitaria a Grécia; na África seria o Egito e Marrocos; na Ásia seria a Índia e no Oriente Médio suas malas a levariam para a Turquia, Israel e o Iraque.

Tinha verdadeira fascinaçao pelas suas culturas, seus hábitos, suas histórias, seus habitats. Achava que por ser berço do mundo da civilização existente, muito tinha a oferecer.

As aulas de História e Geografia Geral eram as suas preferidas e nelas se dedicava bem mais, tirando suas melhores notas, apresentando seus melhores trabalhos.

Quantas vezes ela deitada se via passeando por esses países antigos, entre suas pessoas nativas como se fosse uma delas.

Costumava viajar todos os dias antes de dormir, acompanhada de seus amigos de cartas e outros imaginários. Para isso se aprontava, vestindo sua indumentária ilusória e com um panfleto de viagem na mão escolhido à esmo, fechava os olhos e lá ia ela em sua viagem fictícia, pronta a vivenciar cada momento que se apresentasse em seus sonhos com muita intensidade.

Um dia ela viajava para a Grécia, começando por Atenas e se reportava para suas ruínas, visitando-as uma a uma. Tentava descobrir frente ao escombros toda a história existente em cada pedra derrubada, cada pedaço de chão. Saía no tempo percorrendo as trilhas das verdades dos antigos sábios gregos, buscando discernimento para suas atitudes, entendimentos para a sua vida.

E lá ia ela montada em seu Pégaso, penetrando pelos labirintos do Minotauro, vestindo as asas de Ícaro, penteando os cabelos da Medusa, fugindo das tempestades provocadas por Posêidon, roubando com Prometeu o fogo do Olimpo para entregá-lo aos homens. Conversando com todos os deuses existentes nas histórias mitológicas e aprendendo com Sócrates e Platão, experiências importantes em suas preciosas aulas de vida.

Em certo momento se transformava em Helena sendo raptada por Páris, filho do rei de Tróia em nome do amor. Como Atena, participando ao vivo e a cores da Odisséia de Homero. Ou até como uma das guerreiras de Alexandre o Grande, rei da Macedônia, quando saía para suas conquistas para o império persa.

Em outra viagem ela conhecia profundamente uma das sete maravilhas do mundo, os Jardins Suspensos da Babilônia, palácio de Nabucodonosor ao sul de Bagdá, capital do Iraque. E passeava feliz pelos seus cômodos tão ricamente ilustrados.

Quando viajava para o Egito era o momento mais edificante de sua jornada. Navegar pelo Rio Nilo numa faluca. Conhecer a Esfinge e as Pirâmides de Gizé. Penetrar em suas tumbas, abrindo sarcófagos na tentativa de descobrir quem era quem dos faraós em cada múmia encontrada. Tocar com suas mãos pequenas nos adornos suntuosos das jóias e dos amuletos encontrados. Roçar suavenmente os papiros, era uma verdadeira glória!

Buscar decifrar os hieroglifos deixados nas cavernas contando suas histórias era um desafio para ela, do qual muito se orgulhava, pois só assim conhecia um pouco mais sobre seus deuses que tanta importância tiveram na vida de seu antigo povo.

E era com os deuses em seus templos com quem mais conversava, procurando saber os segredos de seus oráculos, o porque de tantos mistérios insondáveis existentes em sua história. Apreciava mais falar com Osíris, rei do mundo do além, o senhor dos nortos, por querer entender o porque da morte acontecer. Já com Nut, deusa do céu, ela desvendava os segredos ocultos na existência das estrelas e da lua. Com Tot, deus da escrita, adquiria sabedoria para continuar suas andanças oníricas. Esforçou-se para captar as propriedades mágicas do olho de Hórus e lado a lado com Ra, o deus-sol se sentia protegida.

Vestida de Cleópatra tentou mudar a história em relação a Julio Cesar e Marco Antonio, fazendo assim com que o destino de Roma fosse alterado. Afinal de contas em sonho tudo se pode.

Passear de camelo pelo deserto de Saara, na tentativa de encontrar um oásis, foi a mais perfeita aventura. Em caravana com tuaregues e beduínos de rostos cobertos, com ares misteriosos e olhares profundos, saiu em direção a Marrocos, visualizando miragens mágicas produzidas pelo alto calor existente. Os raios de sol refletidos na areia em suas dunas e o vento assoviando ao seu redor, produzia um cenário belíssimo, dignos de uma canção.

Quando chegou a Marrocos, se deliciou andando por suas cidades, num enorme labirinto de vielas apertadas e tortuosas, repleta de gente com vestimentas coloridas, admirando os arabescos contidos em suas arquiteturas, tão meticulosamente trabalhados. Verdadeiras obras de arte. A aura de um lugar mágico e reino dos sultões árabes conquistadores com seus palácios, seus haréns, davam o toque especial necessário para que ela se transportasse para os romances lidos e se imaginasse sendo raptada por um sheik para casar. Puros delírios de uma adolescente solitária cheia de muito amor para dar.

Em Israel, na cidade de Jerusalém, conheceu todo o cenário da época de Cristo, seguindo pelas pequenas ruas de seu comércio, parte da Via Sacra por onde Jesus carregou a cruz. Visitou também o Santo Sepulcro e na igreja onde Jesus chorou pela última vez por Jerusalém., ela secou suas lágrimas. Fez seus pedidos no Muro das Lamentações numa conversa bem particular com Deus. Entrou curiosamente na mesquita Cúpula da Rocha só para colocar a mão na grande pedra que se encontra dentro dela.

Na Turquia, bem propriamente na cidade histórica de Istambul, se maravilhou com as ruínas da antiga muralha de Constantinopla, construída no império bizantino. Conheceu a Igreja de Santa Sofia que já foi considerada uma das maiores igrejas do mundo e andou no pequeno bonde pelas ruas da cidade. Adentrou pelo Palácio de Topkapi, residência de sultões por três séculos, até encontrar onde era o seu harém ainda com suas paredes transpirando os mistérios e as lendas de sua época. A cidade de Istambul ainda tem impregnado em seu ar toda uma magia da história do império otomano através de seus palácios ricamente ornamentados.

Já na Índia se imaginava sendo a esposa do príncipe que construiu o Taj Mahal em sua homenagem. Via seu rosto refletido no espelho das águas límpidas encontrada no centro do seu pátio, esperando por um amor devotado e sincero que a acompanhasse pela vida como o que transcende atráves das paredes do palácio mais lindo do mundo.

E era assim que a menina vivia, envolta pelos seus sonhos de paz, de amor, de um ideal que não chegou a ser concretizado de todo.

A menina cresceu, casou, teve seus filhos. E num esforço supremo apesar das adversidades existentes no mundo de hoje, na violência incontrolada, no abandono de saberes adquiridos por parte dos educadores, na exterminação de uma cultura ancestral contendo tesouros valiosíssimos que são tratados como reles sacos de batatas, insignificantes perante aos olhares do mundo, ela continua sonhando e quem sabe um dia possa acordar e ver novo colorido à sua volta.

Com a paz novamente reinando, sem matanças de inocentes, sem guerras desnecessárias, sem o terrorismo aterrorizando o mundo, sem massacres com requintes de crueldade, sem carnificinas produzidas por homens bombas, sem a fome, sem o desemprego, sem uso indiscriminado das drogas, enfim...sem nada do que está acontecendo agora.

Aí sim ela poderá novamente se deitar outra vez com suas fantasias, sem nenhuma neura, nenhum fantasma lhe assediando a imaginação tão fértil e criativa.

Não mais estará cercada por inquietações e até um certo medo que lhe acompanha os passos em seu dia a dia e muito menos pela agitação interior causada pelo pavor dos acontecimentos incontroláveis, mal resolvidos por uma política inoperante.

Ela novamente em seus estado sonial, se desprenderá do corpo e retornará em suas viagens astrais admirando o que ainda resta das belezas de sua meninice.

Neli Neto

01.10.04

19:41hs-RJ