FERRARI

Todos os dias pela manhã bem cedinho, ainda quando o galo canta ou os pássaros fazem algazarra alegre pela cidade anunciando dias maravilhosos, tomo logo minha “vermelhinha” bem cuidada que ganhei dia desses duma amigona lá de longe, das bandas de Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo.

É até uma história engraçada, pois existiram enrolos e mais enrolos durante o trajeto e até mesmo antes da encomenda da minha pequena Ferrari que não sabia se saía da loja ou se iria direto para a entrega, embora minha amiga até a tenha deixado em casa por uns dias para tirar uma ondinha com a minha “vermelhinha”. Eu tenho um certo ciúme dela, vou confessar. Se alguém logo vai querendo fuçar eu a protejo como ninguém. Resmungo por qualquer toque ou mesmo uma olhada mais atrevida para a minha preciosa Ferrari.

Seu corpo é uma engenhosidade, dotado de diversas minúsculas engrenagens que bem funcionam sobre uma estrutura arredondada de aço inoxidável refletindo ao longe a luz do sol. Sobre esta estrutura encerra-se um espelho de vidro transparente e esférico que permite a visada dos ponteiros que seguem movimento circular constante ao redor de um eixo. Seu organismo interno, onde é possível observar o passeio dos ponteiros, é de coloração avermelhada, assim como as correias que o prende a um dos pulsos. A minha preferência é que seja o pulso esquerdo.

Esses dias levei minha “vermelhinha” para passear pela universidade. Estranhou os primeiros movimentos no ônibus, se sentiu meio sem-graça ao lado de um dos passageiros. Devido à sua timidez teve de se deslocar em meio aos usuários pelo superlotamento e quase fôra esmagada por uma das poltronas. Pobre da minha “vermelhinha” que enfrentou dificuldades logo na primeira viagem de ônibus que fez. Na hora da descida ao destino final, saiu resvalando sua modesta estrutura sobre o cabelo de alguns e arranhando a bolsa de outros. Sentiu-se incomodada com a situação, mas não teve coragem de pedir desculpas, temendo uma enorme represália.

Mostrei o recinto da universidade, as salas de aula, os laboratórios e então chegamos ao Herbário, onde ela pôde ver todas as plantinhas que cuido com muito ardor e carinho. Aquelas que já se encontram virando pó, a minha “vermelhinha” as olhou com olhos de sofrimento e tristeza. O seu tic-tac agora pareceu medonho, um funerário canto. Enquanto eu fazia o tratamento adequado, ela me olhava mansamente com certo medo que eu fizesse um procedimento errado e comprometesse de vez a integridade daquelas plantas.

Na volta para casa, a Ferrari já estava mais adaptada ao ambiente apertado da condução, já tinha as manhas de se espremer no meio dos outros, se deslocava com mais precisão pelas poltronas e bolsas ao meio do caminho. Chegou mais salutar em casa, porém a coloquei para dar um bom descanso na sua mesinha predileta, pois amanhã é dia de novos passeios com minha pequena “vermelhinha” a algum canto da cidade.