AS VARANDAS

A vida no sítio dos meus avós.

Da varanda,

Em sua cadeira de balanço (minha avó),

Ouvindo na estação da rádio Difusora

As músicas sertanejas elevando

O amor à altura dos calipeiros (árvores altas)

Via-se lá longe as luzes do progresso (cidade)

Que se aproximavam, dia após dia, noite após noite, inexoravelmente.

* As conversas de domingo a tarde.

Nas companhias dos vizinhos, a conversa do novo, dos lançamentos da moda, dos novos maquinários, das novas sementes.

A prosa misturada ao velho do passado,

Dos amigos que se foram, das doenças invisíveis,

E das fatalidades na labuta e nos caminhos das roças.

O orgulho pelo cachorro perdigueiro, pela engorda do porco,

Pela criação das galinhas e o mar de ovos.

Nas lembranças, as peraltices dos netos,

Dos afazeres cotidianos, dos bailões, dos namoros às escondidas,

Dos filhos amados.

* Os bichos, as caçadas, as pescarias.

As cobras venenosas, as aranhas caranguejeiras,

A taturana e o porco espinho.

O tatu que não fugiu a tempo

e o seu cozido que deveria ter mais sal.

O tiro certo por dentre as folhas da embaúva

E o jacu à beira do caminho no aguardo do cinto triunfal.

A pescaria dos bagres nas tardes de tempestades

A deságua dos tanques e as traíras fenomenais.

* O futebol

As peladas nos campos da várzea e os gols de bicicleta, que ninguém viu.

#A vida que não pára.

Na mão os calos pelo cabo da enxada

Na pele queimada, o ardor do sol.

O conserto das cercas, o gado que foge, a semeia do arroz,

E o progresso se aproximando....

Os filhos casando, o mato crescendo, o arroz espigando,

O gado fugindo e os filhos partindo.

O rio escorrendo por filetes d'água,

Porque as brânquias iam dominando o leito do rio.

E o jasmim perfumando os pastos espigados pelos araçás.

* A morte da minha avó.

No leito veio a vida e do leito a vida foi,

A doença vence a luta e o corpo descansa.

Um velório em sala simples.

A mesma que abrigou desde jantares suntuosos

Até aniversários e danças de casamentos.

* A vida continua.

Mas a vida não morre, continua, pois o amor e a dor foram deixados para quem ficou. Assim como o bem e o mal seguem juntos, adiante.

E o sol renasce por entre os montes verdejantes

E a vida se transforma para quem ali cresceu.

*O sítio vai ficando abandonado.

Poucos ficariam, muitos partiriam para trabalhar na cidade.

As plantações misturando-se ao mato

As conversas amiúdas, esparsas

As visitas esparsas, desavisadas para quem ficou

Sem hora de chegada e de partida.

*A venda do sítio.

Muitos choraram, mas todos concordaram

Aquele cenário faria parte de um passado.

E melhor seria repartir o legado, transformando a saudade dos tempos passados em números que mudaria o presente e o futuro.

E assim o fizeram longe dali

Cada qual as suas construções, compraram-se objetos e vestuários, terrenos e materiais de construção.

O progresso

E de costas para o passado se olhou o futuro e o presente se fez.

A vida seguiu, na verdade ela nunca parou.

E só vai parar quando o sol se por, a noite chegar e o dia nos esquecer.

Mas, quem chegou avassalador, foi o progresso.

Que nos colocou sobre pneus, aproximou o mundo, iluminou as estradas e os ambientes, conservou os alimentos, trouxe os jogos da seleção lá do exterior e também as imagens das guerras quase instantaneamente.

Estranhos invadiram as nossas casas e com os seus abalos e vitórias os nossos corações.

Criaram em nosso meio a ansiedade desmesurada, o medo e a fantasia exacerbada.

E tornaram nosso mundo pequeno, assim como o nosso coração que se tornou insensível e de carência permanente.

Aprendemos hoje a sermos tão indiferentes quanto os demais.

*A Poesia que restou...

Aquele tempo nunca mais voltará.

Aquelas estrelas que brilhavam nas noites de inverno salpicadas ao relento.

Os morcegos que cruzavam o céu enegrecido e nos confundiam os sentidos, ao sibilar das varas de bambus.

A nossa sensibilidade pelos encantamentos das conversas dos adultos lá na cozinha,quase inaudíveis em nossos colchões de palha de milho.

Na penumbra dos sonhos, nada disso jamais voltará.

Nós ganhamos conforto, novos amigos, filhos, companheiros e companheiras, vizinhos novos.

Mas aquela luz que nós víamos lá longe que varria a noite

Feito olhos de fogo na escuridão e Que criava a fantasia dos dragões

Não nos espantará mais e nem nos alimentará as visões. (o trem)

Se subíamos nas goiabeiras, nas jabuticabeiras e nos pés de tangerinas,

E ali nos fartávamos, hoje nos supermercados nos satisfazemos

Sem o brilho no olhar e sem o sabor do frescor.

Nós fizemos parte de um tempo, de uma era..... a era do viver.

Nascendo, correndo, crescendo, subindo, pescando, caçando, plantando, colhendo, amando, sorrindo, chorando..... abraçando o mundo que nos viu crescer, florescer, amadurecer e verá...ao pó retornar.

Robertson
Enviado por Robertson em 18/10/2019
Reeditado em 02/01/2020
Código do texto: T6773153
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