A esperança do idiota é a última que morre

Acordei exultante naquela manhã. Da minha janela, por cima do portão, podia ver o poeirão erguendo-se em redemoinhos por conta do vento que soprava, dos carros e da gente que subia e descia a rua a todo instante. Era o começo de mais uma semana e as pessoas tagarelavam seus assuntos e seguiam distraindo mais um dia de suas vidas fatigantes.

Até mesmo os cachorros, deitados nas soleiras das portas, demonstravam certo fastio da vida por não terem muito o que fazer. Porém, certamente sem as mesmas preocupações dos seres humanos. Eles não estavam preocupados por com a epidemia de Esporotricose que andava a solta, é o quero dizer. Pois nem se quer estavam cientes da existência de tal fungo na vizinhança.

Para ser sincero, a minha própria vida andava a muito fatigante. Aquela uma cápsula por diária de 75 Mg de Serotonina e Noradrenalina não estava surtindo o efeito esperado. Mas, naquele dia, eu tinha um encontro.

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Bem. Já havia passado da hora de nos encontrarmos pessoalmente. Para ser sincero, a comunicação por mensagens não estava dando muito certo. Digamos que, nós não éramos nenhum Mary and Max, e chega um momento que o sujeito acaba se cansando de levantar a bola dos assuntos o tempo todo sozinho.

Existem mulheres que a comunicação não é nada fácil. E no caso dessa em especial, era dificílima. Combinemos que, não importava a habilidade com a qual eu levantasse a bola, ela sempre chutaria para fora, mesmo que o gol estivesse sem goleiro! Perdi a conta das vezes em que gastei dedo digitando mensagens e mais mensagens, na esperança de engatar um assunto qualquer que houvesse um troca de ideias onde os dois tivessem algo a dizer, mas tudo que eu tentava era em vão, nada funcionava. Para o meu azar, a pobre garota era mais uma daquelas pessoas monossilábicas. Aquelas que só conversam dando repostas do tipo: “não”, “sim”, “tá”. Ou usando interjeições como: “hummm”, “humrum”, “rs rs rs”, e só.

Porém, graças a Jeová, ela não era abúlica como as outras que conheci (apesar de me deixar sem resposta muitas das vezes). O que eu quero dizer, é que não era por falta de interesse da parte dela que a conversa não desenrolava. A Bixinha só era um pouco lenta, só isso.

“oi Julia, tudo bem com você, como foi o seu dia?”

E ela respondia:

“Lindo!”

“que calor que tá fazendo hoje, né”

E ela respondia:

“lindo!”

“matei uma criança ontem a machadadas. Não vejo a hora de chegar em casa e tomar um copo de seu sangue, bem geladinho”

“lindo!”

Foi só impressão minha, ou ela me achava lindo?

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As dezessete horas e dez minutos, apesar do horário, ainda estava quente feito o inferno. Me sentei no banco da frente do ônibus. Segundo o motorista, não havia troco para vinte. Ele pediu que esperasse um pouco. Esperei. Passados alguns minutos, conforme foram embarcando outros passageiros, os trocados foram aparecendo.

O motorista, que de bobo só tinha a cara, me entregou quinze reais de troco e pediu para que eu entrasse pela porta de trás do ônibus.

Vejamos. Se a passagem é seis e oitenta, o motorista me devolve quinze e pede para que eu entre por trás... teria, por acaso, o distinto condutor de transporte coletivo de passageiros urbanos, embolsado cinco paus na caruda?

Se de fato foi isso, eu achava justo. Se viessem me perguntar algo a respeito, diria que nada vi, nada sabia. Afinal de contas, onde é que estava o tal do Caio numa hora daquelas?

Na verdade, minha única preocupação naquele momento era que havia chego o dia. O grande dia. Eu estava nervoso. Segunda-feira, às 21 horas, rua... Era isso, não era? Não que ela tivesse confirmado. Aliás, na dúvida, eu até tentei uma confirmação, envie-lhe mais três mensagens:

“oi Julia, tudo bem com você. Como foi seu dia. Tudo certo para hoje?”

“lindo!”

“já estou a caminho”

“lindo!”

“cheguei. Cadê você mulher?”

“lindo!”

Porém, como de praxe, não obtive reposta.

Na realidade eu acabei de inventar esse diálogo. Ela não respondia as minhas mensagens desde mais ou menos às 18:00 horas. Entretanto, ela não havia cancelado. “Até às 21:00 responderia, com certeza”, pensei.

Ok. Ela realmente não havia reafirmado o seu convite para nosso encontro naquele dia. Mas (MAS), no entanto, a ideia de nos encontrarmos partiu dela, e, na minha cabeça, o que foi combinado com tantos detalhes, insistência e UMA SEMANA DE ANTECEDÊNCIA – está confirmadíssimo, não? Ou melhor, o que não foi desmarcado, continua marcado, certo?

Errado. Mas, como a esperança do idiota é a última que morre, eu esperei, esperei até o último segundo. Às 21:00 em ponto, eu estava lá na Rua Hilario Alexandre. Um lugarzinho esquisito, escuro, silencioso. Cheguei a pensar que havia caído em um golpe. Que dali a um pouco ela apareceria com algum comparsa armado e me depenaria. “lindo!”, lindo é caralho!

Mas não, nada acontecia. Às 21: 20, eu ainda estava lá, esperando feito um grandessíssimo otário. Porém, às 21: 30, eu, como a pessoa sensata que sou, havia desistido.

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Então será mais ou menos assim. Desde o primeiro momento eu vou falar, falar sem parar. Com isso não quero dizer que somente direi coisas agradáveis de se ouvir (apesar deu não ser uma pessoa desagradável).

Falarei mais do que a boca. Eu sou assim, quando fico ansioso, eu falo, as vezes até demais. Por essas e outras você me achará meio esquisito, mas tudo bem, talvez, depois de um tempinho, considerará esse meu jeito meio tímido, atrapalhado de lidar com as palavras, parte do meu charme, do meu encanto. Pois, apesar de todo meu embaraço – fora a beleza, a inteligência e, principalmente, a humildade e modéstia – juro, eu sou um cara legal!

Entretanto, das besteiras que disser ou fizer, só conseguirei consertar depois algum tempo. Como por exemplo, essa mania que eu tenho de achar que sei o que seria melhor para tal pessoa, quando na verdade, eu mesmo, não prático nada do que digo na minha própria vida...

Porém, não se preocupe, eu sou sútil, só dou minha opinião quando ela é pedida. Contudo, as boas opiniões não se dão, se vendem, não é mesmo. Sendo assim, como dissera Juan Carlos da Espanha a Hugo Chávez naquela ocasião, “por qué no te callas?”.

Não me calo porque não consigo me controlar. Mas isso, até que a poeira se assente, até que a adrenalina diminua. Quando eu conseguir acalmar as ideias e pô-las em ordem, será um pouco mais tranquilo. Serei um pouco mais engraçado e espirituoso. Tentarei consertar, como disse, os mal-entendidos. Todas as bobagens que porventura cometi. Assim como, certamente usarei o que você disse em alguns momentos da conversa, contra você (não se preocupe, não será nada sério, eu não sou maldoso).

Já que você insiste, marquemos então para segunda-feira que vem, às 21. Rua Hilário Alexandre, travessa da Fábio Lima, Jardim Cocadia. Ponto de referência: Supermercado Mopes...

Tiago Torress
Enviado por Tiago Torress em 22/10/2019
Reeditado em 28/10/2019
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